Com explosão de casos de covid-19, indígenas do Pará recorrem a socorro de voluntários

Em pouco mais de três semanas, no sudeste do Pará, o coronavírus já matou 22 indígenas, entre anciões, adultos, jovens e crianças nas últimas semanas, além de ter infectado pelo menos 638 outros integrantes de 12 povos.

Lideranças nas aldeias reclamam que não há estrutura suficiente para atender a essa população de pouco mais de 12 mil indivíduos nessa área do Estado.

Há uma crise que vem sendo acentuada pela falta de estrutura para o atendimento aos doentes e para a prevenção. O problema se agrava ainda mais com a escassez de alimentos em alguns locais.

O apoio a esses povos vem sendo promovido por um coletivo voluntário denominado Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará, formado por pesquisadores, indigenistas, missionários e militantes ligados à Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), à Universidade do Estado do Pará (UEPA), ao Instituto Federal do Pará (IFPA), ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), à Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), além de moradores da região.

Integrantes da Rede de Apoio avaliam que a proximidade das aldeias com as cidades de Marabá, São Domingos, Brejo Grande e São Geraldo do Araguaia, além da passagem intensa em rodovias nesse quadrilátero e ação de mineradores, fazem aumentar a vulnerabilidade dos povos indígenas.

As terras dos Aikewara Suruí, da Terra Indígena (TI) Sororó; dos Trocarpa, dos Assurini do Tocantins – Estado vizinho -, e dos Xikrin do Cateté são cortadas pela Transamazônica e pela BR-153 (Belém-Brasília), além de outras estradas regionais. As aldeias dos Gavião, na TI Mãe Maria, também são cortadas por rodovias, mas recebem impacto das linhas de transmissão da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, da Eletronorte, e da estrada de ferro Carajás, da mineradora Vale.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tem demorado muito para fazer teste com a população que apresenta os sintomas da covid-19, alertam os voluntários.

A Prefeitura de Marabá realizou testes rápidos em algumas aldeias da região. Somente na TI Sororó, dos Aikewara, foram identificadas 134 pessoas com coronavírus, de um total de 211 testes. Enquanto a Sesai informa que no dia 15 de junho havia identificado somente oito casos de covid-19 na TI Sororó.

Levantamento organizado pela Rede de Apoio mostra que em pouco mais de três semanas – entre os dias 25 de maio e 18 de junho – os casos de infectados passaram de 44 para 638; e o número de óbitos, de quatro para 22.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não divulga publicamente dados por terra indígena, mas apenas por Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).

Procurados pela BBC News Brasil, integrantes da Sesai e DSEI nessa região não se pronunciaram.

A Funai limitou-se a informar por meio de nota que “tem reforçado as ações de prevenção ao contágio da covid-19 entre a população indígena no Estado do Pará. O trabalho é realizado em conjunto com a Sesai e órgãos locais”.

A nota acrescenta que a Funai tem promovido a permanência dos indígenas nas aldeias durante a pandemia, para evitar contágio e vem trabalhando “para garantir a segurança alimentar das comunidades em situação de vulnerabilidade social”.

Para isso, afirma ter entregado a famílias indígenas em todo Pará mais de 5 mil cestas de alimentos, e deverá distribuir outras 11 mil cestas nos próximos dias. Mas não informa quando.

Também distribuiu, segundo a nota, 4 mil kits de higiene e limpeza a comunidades indígenas em todo território paraense.

Subnotificação e dificuldade de reunir informações

Voluntários da Rede de Apoio reclamam da subnotificação dos casos e da dificuldade de compilar as informações e ter conhecimento do tamanho real do problema.

“A situação se torna ainda mais preocupante porque esses povos estão começando a sofrer com a falta de comida. A cultura indígena faz coleta de alimentos para consumo imediato. Os homens que proveem a tribo ou estão doentes ou estão cuidando de doentes, não conseguindo cultivar os alimentos”, explica o professor Airton dos Reis Pereira, da Unifesspa e integrante da Rede de Apoio.

“Soma-se a isso as pessoas debilitadas e com outras doenças para tornar a situação extremamente preocupante. Então fizemos um mutirão para levar cestas básicas a eles, complexos vitamínicos e outros medicamentos para atenuar o problema. Vidas indígenas importam.”

O povo Suruí Aikewara tem uma roça comunitária, implantada na aldeia mãe, a Sororó. Toda a produção é distribuída para as outras seis aldeias, menores.

Os indígenas estão focados no tratamento dos doentes, enquanto isso os roçados não produzem o suficiente para alimentar a todos, principalmente aos idosos e crianças. A caça e a pesca também estão prejudicadas.

Eles ocupam um território com apenas 26 mil hectares, demarcado em 1977 pela Funai. Essa área hoje é a única que resta com floresta em pé, numa região em processo de desertificação, resultante de intensos desmatamentos e destruição de nascentes no entorno, intensificado nas últimas duas décadas.

“Habitualmente os povos indígenas não acumulam alimentos, sabendo que poderão ir à floresta ou ao roçado para buscá-los novamente no dia seguinte. A epidemia malogrou essa rotina, pois agora muitos, adoentados ou cuidando de pessoas doentes, perecem já que não têm como se alimentar do modo costumeiro”, explica a antropóloga Edilene Coffaci, estudiosa de povos indígenas e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Falta de recursos contra a pandemia

Os Aikewara, Assurini, Amanaé, Mebengokê Kayapó e Xikrin, onde há maior número de casos e mortes, são os indígenas com menos recursos externos para enfrentar a pandemia.

Também há falta de médicos para atender aos indígenas e de medicamentos, segundo Gilmar Adílio de Oliveira, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) Norte 2, Diocese de Marabá. Mesma reclamação feita pelo cacique Mairá Suruí.

Diante destas ameaças, do subdimensionamento da equipe médica da Sesai e da falta de infraestrutura do sistema público de saúde na região, bem como diante da situação emergencial de fome em algumas comunidades indígenas, foi solicitada intervenção por parte do poder público.

Há uma série de reivindicações enviadas no início de junho através de ofício ao governo do Pará. Eles pedem envio de equipe médica e enfermeiros especializados, testagem em toda população, implantação de infraestrutura adequada ao atendimento de baixa, média e alta complexidade, alimentos e itens de higiene, entre outras coisas.

Paralelo às ações junto ao poder público, estão sendo realizadas nas cidades da região do Araguaia campanhas para arrecadação de recursos e produção de remédio a partir de plantas medicinais para fortalecer a imunidade dos povos indígenas.

A Rede de Apoio aos Povos Indígenas do Sudeste do Pará mantém um perfil nas redes sociais onde faz a divulgação constante de dados sobre os casos entre os povos da região e campanhas de doação criadas pelos próprios indígenas.

As perdas mais recentes entre os povos indígenas do sudeste do Pará ocorreram na tarde do 18 de junho, com o falecimento do guerreiro Api Suruí Aikewara, aos 63 anos de idade.

No dia anterior houve o registro da morte de Paulinho Paiakan, aos 68 anos. Antes, no dia 14 de junho, a vítima fatal foi o pajé Arikassu Suruí, aos 70 anos. Outra vítima fatal da “doença maldita” é o guerreiro Warini Suruí, que morreu no último dia 4, aos 85 anos.

Na mesma semana, segundo Francivaldo Suruí de Freitas, outras quatro pessoas foram diagnosticadas com a covid-19.

Dentro da aldeia, outras três dezenas de indígenas, sendo idosos, mulheres, crianças e adolescente, apresentam os sintomas da doença, disse Francivaldo.

Segundo o Cimi, entre as quatro pessoas diagnosticadas no dia 4 de junho com coronavírus, estava Arikassu Suruí, falecido no domingo passado.

Outro cacique, Mairá Suruí, também infectado, passa por tratamento em Marabá. O líder Api Suruí está internado na Casa de Saúde Indígena de Marabá. Mairá, que tenta se manter isolado, reclama da falta de estrutura local.

A Casa tem apenas seis quartos pequenos para abrigar os doentes e pessoas que procuram assistência. Os indígenas ficam amontoados nos quartos.

Remédios caseiros, pajelança e pedidos de socorro

Os indígenas estão tomando remédios caseiros e apelam para a pajelança para driblar o vírus. Alguns apresentaram melhora, outros, mais debilitados e fracos, não.

Integrantes da comunidade apelam para pedidos de socorro e ajuda pelas redes sociais.

“Tudo bem. Foi inaugurado hospital de campanha para o povo indígena da região de Marabá. Agora precisamos de apoio também dos municípios, como as prefeituras. A TI Sororó está interligando entre as 4 cidades, ou seja, Brejo Grande, São Domingos, São Geraldo do Araguaia e Marabá”, escreveram desesperadamente apelo nas redes sociais os jovens Mairá Filho Suruí e Moró Suruí.

“O que eu quero dizer dentre esses municípios deveriam entrar em parceria com outros. Quem tá sofrendo é a nossa comunidade aonde nosso povo Aikewara vem sofrendo com esse vírus que entrou até as aldeias, são sete aldeias dentro da terra indígena Sororó. Por isso venho pede aos representante das prefeituras municipais que entra com providência o mais rápido possível para combater o vírus dentro da aldeia (Sic). Peço ajuda para compartilha e chegar até eles, por favor.”

“Estamos acionando todas as instâncias possíveis, inclusive o Ministério Público, além do governo do Estado para ajudar na identificação dos infectados, no tratamento dos doentes e na alimentação das famílias”, explica Airton dos Reis Pereira, da Unifesspa.

Lideranças da Terra Indígena Sororó, no sudeste do Pará bloquearam parcialmente na tarde de segunda-feira, dia 22 de junho, parte da BR- 153, rodovia Belém-Brasília, para protestar contra a falta de estrutura para tratar os cerca de 640 indígenas contaminados por coronavírus e evitar mais mortes. “Só prometem e não fazem nada”, diz Arukapé, da Aldeia Tukapehy.

Os indígenas querem a presença do coordenador Distrital de Saúde Indígena Goto Tocantins, Stanney Everton Nunes, e um representante da Funai para que seja colocado em prática um plano emergencial para evitar a propagação da doença. A DSEI regional não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.

“Até o presente momento não há um plano emergencial capaz de conter o avanço da doença nas aldeias. Já levamos essa reivindicação, junto com outros pedidos urgentes para o Ministério Público, pedindo que os promotores intercedam junto ao Estado e governo federal. Precisamos evitar mais perdas de vida”, diz Gilmar, Adílio de Oliveira, do Cimi Norte 2, Diocese de Marabá.

Por sua vez, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) do Pará informou que até esta terça-feira (23/6) foram registrados 279 casos de covid-19, com 16 óbitos nas regiões de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Guamá-Tocantins, que inclui municípios das regiões Sudeste e Oeste.

“A Sespa tem atuado com medidas preventivas e assistenciais junto às populações indígenas, trabalhando com os DSEI’s, e orientando no acesso aos serviços de média e alta complexidade. A Secretaria também disponibilizou leitos exclusivos para a comunidade indígena nos hospitais de campanha de Belém, Marabá, Santarém e Breves. Além disso, junto com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Exército, vem realizando ações de saúde dentro das aldeias, com equipes médicas da Polícia Militar realizando consultas, visitas domiciliares aos idosos indígenas, testes rápidos e medicamentos para tratamento de sintomas leves e moderados da doença, envio de máscaras de proteção e álcool 70%”, explica nota enviada pela secretaria.

Fonte: BBC News/Eduardo Reina

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