Novo método para detectar dinâmica e evolução do rio Tapajós pode contribuir para o estudo de megarrios

Para investigar a origem e a dinâmica atual do canal do baixo rio Tapajós, pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) propuseram um novo modelo de análise que pode ser aplicado a outros grandes rios. No artigo publicado na revista Progress in Physical Geography, os autores explicam como o método permite uma análise em maior detalhe de sistemas pouco conhecidos pela ciência.

Pertencente à bacia amazônica, o canal do baixo Tapajós corresponde à parte final do rio, que nasce no estado do Mato Grosso e deságua no Amazonas. A porção em estudo tem 200 km de comprimento e pode chegar a 20 km de largura entre as margens, contendo 1% da água doce superficial do planeta.

O professor da Ufopa e autor principal do estudo, João Paulo de Cortes, compara o trabalho a uma pia cheia de louças: primeiro é preciso organizá-las em categorias, para depois lavá-las. Da mesma forma, o trabalho de investigação exigiu inicialmente o agrupamento de trechos com características similares para uma posterior análise em maior profundidade.

“Para organizar as louças, desenvolvemos uma metodologia que combina ‘fatias do canal do rio’, ou perfis transversais, agrupados estatisticamente segundo um método ainda não aplicado em Geomorfologia, chamado DAPC. Este trabalho, antes de tudo criativo, nos permitiu segmentar o trecho final do canal em três diferentes conjuntos”.

Foram identificados três trechos ao longo da área do canal estudada. O primeiro é o trecho “estreito” do rio, com largura média de 5 km, que vai de Fordlândia até o município de Aveiro; o segundo é o alto trecho da ria, em que se observa um alargamento súbito do canal que começa em Aveiro e vai até a Vila do Amorim; e o terceiro é o baixo trecho da ria, que vem da Vila do Amorim até sua foz no rio Amazonas, incluindo o lago Tapajós, que é a zona do encontro das águas em frente à cidade de Santarém.

Os resultados mostram que a parte mais estreita apresenta uma profundidade média de cerca de 15 metros, enquanto a parte alta da ria é caracterizada por um canal assimétrico, dominado por uma plataforma rasa e com fluxo concentrado em uma das margens, onde estão as maiores profundidades. A parte mais profunda é a que fica em frente a Santarém, com profundidade média de 20 metros e trechos que superam a marca de 50 metros.

Ao lado esquerdo, o canal do baixo Tapajós com os trechos identificados: estreito (amarelo), alta ria (vermelho) e baixa ria (azul). Ao lado direito, as figuras mostram as profundidades que o rio tem nos trechos correspondentes. Imagem: Reprodução.

Esse formato do canal dá pistas de como ele foi formado ao longo dos últimos 11 mil anos. Segundo o pesquisador, nessa região havia um grande paredão rochoso – os chamados cânions – durante o último período glacial. Com o aumento da temperatura do planeta, o nível do mar subiu e a água inundou o cânion, formando o canal do baixo Tapajós como conhecemos hoje.

“O que enxergamos é que na parte central, que é o nosso trecho da alta ria, essa forma de cânion continua preservada, ao passo que os outros dois trechos estão sofrendo processos de alteração. Isso, por um lado, nos ajuda a reforçar o modelo de formação da ria: havia esse cânion em algum momento, que foi escavado e depois preenchido. Isso também nos diz que, desde que foi preenchido, ele está sofrendo alterações nas suas partes limítrofes, que estão sendo ou mais escavadas, no caso do trecho a jusante; ou mais depositadas, no caso das cabeceiras”, explica João Paulo.

A partir dessas informações, foi possível detectar a dinâmica interna de cada trecho: “A diferença dentro dos trechos da ria é uma das grandes novidades. À medida que se muda esses parâmetros de largura do canal, profundidade, e a relação entre esses elementos, há uma diferença de tipos de habitat, velocidade do fluxo da água, transporte de sedimentos e nutrientes. Essa segmentação nos dá subsídios para fazer estudos de detalhe em cada um desses trechos e como é a distribuição de outras variáveis, sejam variáveis vivas, como a distribuição de ambientes ecológicos, ou abióticas, como a distribuição de um determinado elemento, como o mercúrio”, declara.

Equipe de campo coletando amostra de água do Tapajós para análise. Foto: Arquivo pessoal.

Método inovador – Pela primeira vez, o método DAPC foi integrado com dados de geoprocessamento e sensoriamento remoto e aplicado em um estudo de Geomorfologia. Os dados estatísticos permitiram confirmar padrões já observados no Tapajós e também mostraram que se trata de uma alternativa viável para outros estudos de sistemas fluviais de grande escala, como explica o pesquisador:

“Esse método nos permite enxergar o canal como unidade de análise do relevo. Isso é uma coisa relativamente nova. Ele pode nos ajudar a pegar essa rede de canais, que é a mais extensa do mundo, e dividir em pedaços que sejam possíveis de fazermos estudos de maior detalhe para entender como que eles funcionam nessa escala de trecho”.

O estudo faz parte da tese de doutorado de João Paulo, defendida em 2020, intitulada Controle estrutural e classificação do canal no baixo Tapajós: contribuições para a geomorfologia da Amazônia, em que o autor investiga a relação de diversos fatores da dinâmica fluvial, combinados com dados geológicos e geofísicos, para compreender a formação do relevo do Baixo Amazonas.

Para acessar o artigo na íntegra, clique aqui.

Comunicação/Ufopa

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