Enquanto o cenário da luta indígena toma novos rumos em Terras como as Yanomami, se acirram os conflitos em regiões próximas. Atualmente na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns, em Santarém, no oeste do Pará, quatro lideranças indígenas e agroextrativistas, defensoras dos direitos humanos e ambientais, convivem com a incerteza da vida e impedimento à atuação diante das ameaças de morte por madeireiros que fazem a extração irregular na região.
Em agenda conjunta em Brasília na última semana, representantes do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), Sindicato de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (STTR) de Santarém e a Associação Tapajoara denunciaram junto aos Ministérios de Meio Ambiente, Povos Indígenas e Direitos Humanos; Casa Civil, Frente Ambientalista e bancada do Partido dos Trabalhadores da Câmara dos Deputados, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e Polícia Federal as recentes ameaças sofridas na região na busca de uma missão articulada do Governo Federal no estado do Pará.
Desde antes de 2017, lideranças denunciavam a extração irregular de madeira na Unidade de Conservação, sem receber a devida atenção de instituições. O conflito se acirrou quando em 2019 o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão responsável pela gestão de Unidades de Conservação – publicou a Portaria nº 223/2019, autorizando que a Cooperativa Mistra Agroextrativista do Rio Inambú (Cooprunã) opere um Plano de Manejo Florestal Sustentável Comunitário em uma área de quase 29 mil hectares dentro da Resex Tapajós Arapiuns. A autorização foi dada sem que indígenas e comunidades tradicionais da Resex fossem previamente consultadas, como determina a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), tratado que o Brasil é signatário. Vale ressaltar que com mais de 677 mil hectares, a Resex Tapajós Arapiuns reúne 78 aldeias e comunidades tradicionais em seu território e tem uma população estimada de 22 mil pessoas. Ou seja, as comunidades são impactadas com qualquer medida que afete seu território.
“Eles (madeireiros) têm pressa em ver a gente sumir, e a gente tem muita vontade continuar a viver, continuar defendendo nosso território, nosso povo. Nós, povos tradicionais, vivemos dos recursos naturais que foram garantidos e concedidos por nossos antepassados e hoje querem tirar esse direito da gente”, enfatiza Maria José, liderança da Associação Tapajoara, – entidade que representa todas as associações e moradores da Resex Tapajós Arapiuns.
Segundo Edilson Silveira, outra liderança ameaçada, “a cada dia que se passa, lideranças da região são ameaçadas com armas de fogo, onde dizem a forma que seremos assassinados. Nós não queremos isso. Nós queremos que a nossa Amazônia ela tenha uma proteção ampla e diferenciada que atenda aos territórios e à vida dos defensores e defensoras de direitos humanos. Nascemos e nos criamos ali e assim somos, povos nativos, mas hoje nós não temos nem mais o direito de liberdade de ir e vir dentro do nosso território”, declarou. Edilson é atual vice-presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
O conflito
A má gestão dos órgãos ambientais na região também é considerada um fator importante nas violações ocorridas e vem sendo questionada pelo STTR de Santarém e CITA – entidade que representa os indígenas das 14 etnias do baixo Tapajós, entre elas as que tem o território sobreposto a Unidade de Conservação. Em 2020, as entidades moveram uma Ação Civil Pública (ACP), com assessoria jurídica da Terra de Direitos, contra o ICMBio exigindo a realização da consulta prévia para Plano de Manejo e conseguiram, em decisão da Justiça Federal de Santarém, a paralisação de todos as atividades madeireiras dentro da Resex.
Em abril 2021, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu a decisão liminar da Justiça Federal de Santarém – também de 2021 que autorizava a retomada dos processos de Plano de Manejo dentro da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns, entre os municípios de Santarém e Aveiro (PA). A decisão do desembargador Souza Prudente considerou que os planos de manejo não poderiam avançar sem um processo adequado de consulta prévia, livre e informada à indígenas e comunidades tradicionais da região. Na época da decisão, a sede do STTR chegou a ser invadida por madeireiros no intuito de pressionar a desistência da ação – o que não aconteceu. No entanto, mesmo com a decisão, a exploração indevida nunca teve pausa, já que, comunitários apontaram a falta de fiscalização por parte do ICMbio.
Entre decisões e manifestações do judiciário, os conflitos ainda eram presentes na Resex Tapajós Arapiuns. Em último acontecimento, em fevereiro deste ano, as lideranças novamente foram ameaçadas por denunciarem a exploração ilegal de madeira no território. Na ocasião, as lideranças Aucélia Arapiun, Maria José, Ivete Bastos e Edilson Silveira foram ameaçadas de morte a partir de áudios disparados por um extrativista e pastor da comunidade de Prainha do Maró – mesma região da Resex onde está localizada uma das cooperativas madeireiras com interesse na aprovação do plano de manejo – em grupos locais de WhatsApp.
Segundo Auricélia Arapiun, liderança ameaçada do CITA, não houve um momento desde a abertura da exploração da Resex Tapajós Arapiuns que o território esteve protegido de fato. “Nós temos um projeto de conservação da região, e este projeto é coletivo. Quando nos ameaçam, enquanto lideranças, ameaçam a vida e existência do nosso povo. Nosso território depende da proteção dos povos indígenas e tradicionais e nós vamos lutar por ele”, destacou a liderança indígena Arapiun.
Em Brasília, o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Silvio Almeida, se comprometeu a auxiliar no processo emergencial de averiguação da situação de violência contra a vida dos defensores e defensoras de direitos humanos no Pará.
“Temos aqui uma questão urgente de riscos iminentes às vidas e que precisa ser tratada de maneira emergencial. Entrarei em contato com os ministérios da Justiça (e Segurança Pública) e dos Povos Indígenas para juntos encontrarmos uma solução imediata para proteger a região e quem lá habita”, enfatizou o ministro.
Gestão ambiental e luta contra o tempo
A omissão da gestão estadual do ICMbio na região é apontada como um dos ampliadores do conflito a pelos movimentos e povos tradicionais da região. Atualmente, o órgão é comandado pelo coordenador regional do oeste do Pará, Mauricio Mazzotti Santamaria. Em 2020, uma operação da Polícia Federal na divisa do Pará com o Amazonas – próximo a Resex Tapajós Arapiuns – culminou na maior apreensão de madeira nativa da história do Brasil. Segundo dados da operação, os agentes retiveram 131,1 mil m3 de toras, volume suficiente para a construção de 2.620 casas populares. Além disso, na época 43.700 toras de madeiras foram encontradas esplanadas (pátios de madeira) ao longo dos Rios Mamuru e Arapiuns.
Na avaliação do deputado federal Nilto Tatto (PT – SP), da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados, diante do conflito também é necessária uma ação mais efetiva e conjunta de proteção às lideranças e ao território.
“É necessário que o estado compreenda as demandas existentes no território. E para isso é importante estar junto na região. Pela Frente Parlamentar Ambientalista nós precisamos nos movimentar de forma articulada junto aos movimentos, organizações, sindicatos e povos tradicionais na defesa do meio ambiente como projeto político que defendemos. Dessa forma é que conseguimos subsidiar um bom trabalho aqui no Legislativo”, destacou o parlamentar.
Medidas Emergências
Atualmente a ACP sobre o caso cobrando a realização da consulta prévia para a construção do plano de manejo determinou a criação de um protocolo de consulta que atenda a todas as comunidades indígenas e extrativistas situadas na Reserva. O documento comunitário irá estabelecer o entendimento das comunidades sobre a possibilidade ou não da existência de planos de manejo da cadeira produtiva da madeira como atividade extrativista dentro da Unidade de Conservação, assim como registrar as condições de transparência, financiamento, entre outras regras que os comunitários julgarem necessárias.
O plano de manejo é o instrumento que mapeia a área e define onde ocorrerá a derrubada de madeira e de que forma será feito o reflorestamento. Ele é fundamental para a exploração de madeira de forma legal e baseada na conservação ambiental dos recursos do território. Com a falta de um resultado imediato da ACP, novas estratégicas de proteção precisam ser articuladas.
Na avaliação do coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos, Pedro Martins, existem medidas de urgência que precisam ser garantidas para a proteção das vidas das lideranças e dos territórios ameaçados.
“As investigações dos crimes diversos ocorridos em 2023, como o crime de ameaça, além de outros que ainda continuam impunes é tão relevante quanto a garantia da gestão da Unidade de Conservação. Nesse sentido, são necessárias ações pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) junto com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania”, enfatiza o advogado.