O Ministério Público Federal (MPF) deu um passo significativo para reforçar o atendimento a povos indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia. Representantes da instituição fizeram a primeira viagem de uma embarcação própria, entre Belém e Abaetetuba, no Pará, na última sexta-feira (19). Durante o trajeto, o grupo conversou com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que estava em Brasília, e fez questão de ressaltar o significado da viagem. “É uma conquista que se soma a outras, que temos implementado para garantir que o Ministério Público possa estar presente e defender com as melhores condições esse patrimônio nacional que é a Amazônia”, frisou.
Navegando pelas águas das baías do Guajará e do Marajó, o escritório de representação fluvial aportou na comunidade quilombola Nossa Senhora do Bom Remédio, onde a equipe do MPF pôde se atualizar sobre violações de direitos enfrentadas por famílias quilombolas e ribeirinhas de toda a região. “A gente não tem condição financeira de chegar até o Ministério Público, e por isso é tão importante que a instituição venha até nós”, destacou a líder comunitária Rosicleia Silva Ferreira. “É um momento ímpar para as comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas”, comemorou o ribeirinho Antônio Nazaré Azevedo Costa, da comunidade da Ilha do Capim.
Grande vitória – O procurador-geral da República, Augusto Aras, participou de videoconferência realizada desde a sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília (DF), com a equipe do MPF nas águas do Rio Pará. Ele classificou como uma grande vitória a concretização, pelo MPF, de uma série de medidas em favor da Amazônia, como as aquisições de frota fluvial, de aeronaves anfíbias e de helicópteros, a atuação para incluir a região no leilão da Internet 5G no Brasil e a implantação de 30 novos ofícios socioambientais.
Vitória porque, conforme destacou, a um só tempo, o MPF defende a soberania nacional e da Amazônia – especialmente nas fronteiras –, as comunidades indígenas e tradicionais e o meio ambiente, explicou Aras. “Este é um momento de regozijo pelo avanço que fazemos em relação à Amazônia Verde”, frisou.
Ao conversar com a comitiva, o PGR listou as medidas adotadas nos últimos três anos e oito meses para assegurar as condições de trabalho para membros e servidores lotados na região, além de destacar aspectos relacionados aos desafios institucionais. O procurador-geral também adiantou que um novo projeto, o Amazônia Azul, será lançado no mês de agosto, desta vez, com o propósito de preservar as riquezas das águas que circundam a região. “Trabalhamos para que as bases e diretrizes do projeto sejam lançadas ainda na nossa gestão para que possamos proteger também esse patrimônio nacional”, completou.
O procurador-geral também destacou a importância da iniciativa para a defesa e proteção do meio ambiente. Ele reiterou a adoção de três grandes frentes de atuação institucional para garantir o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação da Amazônia: a criação de Gaecos Federal, A Amazônia Verde ( que inclui o reforço da estrutura do Ministério Público na região e o Amazônia Azul que, conforme adiantou, será lançado em agosto. “Nós tomamos conta da Amazônia que é um patrimônio brasileiro e também da comunidade planetária, que depende dela para ter a oxigenação necessária para a saúde. O projeto Amazônia Azul, que se estenderá por todo o litoral, ficará com a estrutura delineada até o fim de nossa gestão, fechando o arco das atuações mais relevantes do Ministério Público brasileiro nessa região”, frisou.
Percurso – A viagem inaugural teve a participação da secretária-geral do Ministério Público da União (MPU) e coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, Eliana Torelly, do procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe de Moura Palha, do procurador da República Rafael Martins da Silva, de servidores do órgão e de representantes do Fundo Dema, fundo de justiça socioambiental e climática que apoia projetos coletivos e comunitários na Amazônia, incluindo a comunidade quilombola Bom Remédio e comunidades vizinhas.
Dia histórico – “A aquisição dessas embarcações foi um grande avanço porque vai permitir ao MPF aumentar quantitativamente e qualitativamente o atendimento às comunidades”, disse a secretária-geral do MPU. “Hoje é um dia histórico para o MPF no Pará porque conseguimos uma embarcação própria com internet via satélite para levar a instituição a todos os lugares e torná-la cada vez mais próxima da sociedade”, ressaltou Felipe Palha. A novidade vai possibilitar que o MPF tenha convívio ainda mais próximo com as famílias ribeirinhas, indígenas, quilombolas e extrativistas. Essa presença mais constante poderá proporcionar o estabelecimento de diálogos mais contínuos, mais ricos e capazes de levar a respostas mais concretas e definitivas.
“Um escritório fluvial itinerante tem a potencialidade de mudar a forma como trabalhamos e chegar com respostas rápidas onde deveríamos estar. Nunca tínhamos ido na comunidade quilombola à qual fomos nesta primeira viagem do escritório de representação fluvial, e é assustadora a quantidade de demandas que precisamos atender, desde a mais básica de todas – não tem água potável para beber – às mais complexas consequências da poluição ambiental provocada pelo polo industrial de Barcarena, pelo porto de Vila do Conde e também pelo acidente do navio que naufragou com 5 mil bois naquela região. Temos muito trabalho a fazer”, relatou o procurador-chefe. “A alegria da inauguração do escritório de representação fluvial contrasta com a tristeza de ver a miséria da nossa população ribeirinha”, lamentou.
A aquisição de embarcações também permitirá que o MPF ofereça atendimento ainda mais rápido às comunidades porque a equipe não vai mais depender dos horários e de demais restrições impostas por empresas privadas de transporte. Viagens mais rápidas vão proporcionar, ainda, mais segurança à equipe do MPF, que ficará menos tempo sob risco de ataques de agentes violadores de direitos socioambientais.
A viagem inaugural também teve a participação de servidores do MPF e de representantes do Fundo Dema, fundo de justiça socioambiental e climática que apoia projetos coletivos e comunitários na Amazônia, incluindo a comunidade quilombola Bom Remédio e comunidades vizinhas.
Vasta demanda – Segundo a Secretaria de Estado dos Povos Indígenas, no Pará vivem 60 mil indígenas, de mais de 55 povos, que falam 30 idiomas e ocupam mais de 20% do território estadual, em 77 territórios indígenas localizados em 52 municípios. De acordo com a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos (Malungu), no Pará há cerca de 550 comunidades quilombolas, localizadas em 65 municípios, com 70 mil famílias.
A comunidade quilombola Bom Remédio, visitada nesta sexta-feira pelo MPF, é uma amostra do quanto muitas dessas famílias sofrem com a ausência do poder público. Diversas lideranças comunitárias relataram impactos socioambientais, falta de segurança, saúde, educação, entre outras violações de direitos. O procurador-chefe da unidade paraense do MPF informou às famílias que serão abertas apurações sobre cada um dos problemas narrados.
Contaminação – A educadora Sara Pereira, coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) na Amazônia, organização responsável pelo gerenciamento jurídico e administrativo do Fundo Dema, considera que a situação vivida pelas comunidades quilombolas e ribeirinhas da região de Abaetetuba é alarmante. Ela salientou outro tema muito recorrente nas falas das pessoas que representam as comunidades, que é a contaminação das águas.
Até o ano 2000, a água era captada diretamente do rio por toda a comunidade. Depois disso, ninguém teve mais coragem de beber água do rio por conta da contaminação por vazamento de registro de minérios, lixo, óleo combustível das balsas, navios, naufrágio do navio Haidar e fossas a céu aberto, resume o Protocolo Comunitário de Consulta Prévia, Livre, Informada, de Consentimento e Veto do território quilombola Bom Remédio.
Em uma parceria entre a comunidade, o Fundo Dema e profissionais da área de pesquisa, um projeto-piloto de descontaminação da água, que utiliza a tecnologia denominada osmose reversa, está programado para ser implementado no segundo semestre deste ano. O objetivo é que, se for bem-sucedida, a ideia seja pautada como política pública e replicada em outras comunidades, informou a coordenadora da Fase Amazônia.
Fonte: MPF