O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Governo do Pará que adote as providências necessárias para conclusão das obras da rodovia Transtembé, que ligará norte e sul da Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, no nordeste do estado. O objetivo é garantir a 2,5 mil indígenas das etnias Tembé, Timbira e Kaapor a reocupação total da área, mediante a criação de estradas que possibilitem o trânsito dos povos originários por todo o seu território, após o processo de desintrusão – desocupação da área por não indígenas.
Em agosto de 2023, representantes do povo Tembé se reuniram com o MPF para discutir questões surgidas após a desintrusão da terra indígena de posseiros e invasores, concluída em junho. Entre as dificuldades relatadas para o concreto usufruto da área pelos povos originários, está a falta de estradas e ramais para acesso ao território agora desocupado. De acordo com o cacique Kamiran Tembé, “para a população indígena que habita no norte, chegar às partes desocupadas ao sul é dificultoso e só pode ser feito por fora do território”.
Para efetivar o processo de reintegração de posse dos indígenas, o MPF defende que a interligação de estradas e ramais localizados no interior da Terra Indígena Alto Rio Guamá é imprescindível, pois além de facilitar a mobilidade e promover a circulação dos indígenas, contribui para a maior integração entre as aldeias localizadas ao sul e ao norte do território. O órgão alerta ainda que a não ocupação da totalidade do território pelos indígenas representa grave risco para o retorno dos invasores à região, tornando sem efetividade o plano de desintrusão.
Na recomendação, o MPF ressalta que, a pedido da Secretaria de Estado dos Povos Indígenas do Pará (Sepi), está em curso na Secretaria de Transportes do Estado do Pará (Setran) procedimento para estudos e viabilização da rodovia e malha viária Transtembé. Esclarece ainda que, ao contrário de entendimento já externado pela Setran, a criação e manutenção de estradas no interior de terra indígena é responsabilidade de todos os entes da Federação – União, Estados e Municípios –, de forma solidária.
“A efetivação dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal vincula todos os entes políticos da Federação, inclusive os Estados, o que convoca, no caso, o Estado do Pará a participar da resolução da demanda social verificada”, registra a recomendação. De acordo com o documento, “o Estado do Pará não pode se eximir de responsabilidade em relação às ações pós-desintrusão, uma vez que isso colocaria em risco todo o trabalho e os recursos orçamentários investidos pelo próprio ente federativo durante a fase de execução do plano”.
O Governo do Pará tem dez dias para informar ao MPF sobre o acatamento, ou não, da recomendação. Ainda segundo o documento, o ente tem 30 dias para elaborar e apresentar um cronograma detalhado sobre a obra, indicando os prazos de execução de cada etapa, bem como o prazo global para conclusão da malha viária necessária para a reocupação total da área pelos indígenas.
Histórico – Localizada nos municípios de Nova Esperança do Piriá, Santa Luzia e Paragominas, no nordeste do Pará, a Terra Indígena Alto Rio Guamá foi reconhecida como território indígena em 1945 e homologada em 1993. No entanto, ao norte, a área foi invadida por posseiros que formaram povoados e, a leste, por fazendeiros. Os não indígenas já indenizados ou que invadiram a área após o processo de homologação permaneciam irregularmente no território, muitos deles, praticando atividades ilegais, como exploração não autorizada de madeira para venda na região e cultivo de maconha.
Somente em 2014, após longo processo judicial, a Justiça Federal concedeu liminar em ação civil proposta pelo MPF e confirmou a posse dos povos indígenas sobre a totalidade da TI, determinando a desocupação da área. Para evitar a ocorrência de conflitos na região durante o cumprimento da ordem judicial, foi definida a criação de um Plano de Desintrusão, com o estabelecimento de um cronograma e a definição das atribuições de cada órgão responsável por sua execução.
O plano prevê, além da desocupação dos não indígenas, a reintegração de posse por parte dos povos originários nas áreas desocupadas; a repressão aos crimes ambientais e a erradicação de áreas de cultivos de drogas no interior da terra indígena; a destruição e inutilização de instalações e acessos que possibilitem a reocupação de invasores e posseiros; e o monitoramento subsequente da área, de modo a evitar o retorno de não indígenas para o local.
A operação para desintrusão e reintegração de posse da TI Alto Rio Guamá ocorreu entre maio e junho deste ano, com a retirada pacífica e voluntária da população não indígena da área de 280 mil hectares. Agora, segundo o MPF, cabe aos órgãos governamentais adotar ações e medidas que visem à total e efetiva retomada das terras pelos indígenas, conforme diretrizes da Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH).
Fonte: MPF