A história do Pará está prestes a ganhar um novo e importante capítulo. Isso porque, o Theatro da Paz, em Belém, pode ser reconhecido, entre os dias 13 e 15 de dezembro, como Patrimônio Mundial pela Unesco. Assim como o teatro paraense, o Teatro Amazonas, em Manaus (AM), também pode receber o mesmo título. O primeiro passo para a elaboração da candidatura dos Teatros da Amazônia acontece ainda esta semana, na capital manauara, que recebe a primeira oficina de mobilização que envolverá os governos dos Estados do Pará e Amazonas, prefeituras de Belém e Manaus, representações da sociedade civil, pesquisadores e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deve coordenar o processo da candidatura e apresentá-la, representando o Brasil, ao Centro do Patrimônio Mundial da Unesco.
Símbolos máximos do ciclo da borracha na região, os teatros de Belém e Manaus representam as artes, a arquitetura e a história da Amazônia, e a relação da região com a economia e a geopolítica internacional entre os séculos XIX e XX. A programação do evento será composta por apresentações, debates e visitas técnicas.
Na quarta-feira (13), às 14h, a abertura da oficina contará com a apresentação de conceitos, princípios e procedimentos para a candidatura a Patrimônio Mundial. Na sequência, serão expostos os requisitos de proteção, conservação e gestão do Teatro Amazonas e do Theatro da Paz. No dia seguinte, será promovida uma visita técnica ao Teatro Amazonas e à área de entorno da edificação, no centro de Manaus. Por fim, na sexta-feira (15), as discussões vão tratar de valores patrimoniais, justificativa para a candidatura, critérios e estratégia para elaboração das ações previstas nos próximos anos. Ainda durante o evento, será estabelecida a matriz de responsabilidades e cronograma de trabalho.
“Para o Iphan, uma candidatura a Patrimônio Mundial sempre se apresenta como um rico e estimulante desafio. Primeiro, no sentido de propor a articulação necessária entre os grupos sociais envolvidos, os gestores estabelecidos e as instituições interessadas. Segundo, no sentido de garantir as condições que permitam a identificação e o reconhecimento coletivo do chamado valor universal do bem”, avaliou o diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, Andrey Schlee. “No caso particular dos Teatros da Amazônia, o desafio se renova, frente à riqueza e diversidade cultural da região Norte”, completou ele.
O processo de reconhecimento – Ambos os teatros já são tombados pelo Iphan como Patrimônios Culturais do Brasil: a casa de espetáculos do Pará recebeu o título em 1963 e a do Amazonas, em 1966. Quanto ao reconhecimento da Unesco, os Teatros da Amazônia foram inscritos na Lista Indicativa de Patrimônio Mundial, uma etapa prévia, que serve como instrumento de planejamento e preparação para as candidaturas.
Conforme a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Unesco, o reconhecimento de um bem cultural como Patrimônio Mundial demanda a caracterização de seu valor universal excepcional (VUE), extrapolando a importância local, regional e nacional.
Ainda segundo a Convenção, dentre os vários critérios, o bem deve ser um testemunho do “intercâmbio de valores humanos considerável, durante um período concreto ou em uma área cultural do mundo determinada, nos âmbitos da arquitetura ou tecnologia, das artes monumentais, do planejamento urbano ou da criação de paisagens”. O documento também prevê que o bem deve “ser um exemplo eminentemente representativo de um tipo de construção ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre um ou vários períodos significativos da história humana”.
Em diálogo e elaboração com outras instituições públicas, organizações que atuam junto ao bem e à sociedade civil de maneira mais ampla, a proposta é elaborada por um grupo técnico, que fará uma minuta de dossiê a ser apresentada ao Comitê do Patrimônio Mundial. Especialistas do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), organização não governamental ligada à Unesco, analisam a documentação, verificam a pertinência da argumentação e realizam missão de avaliação.
Se necessário, haverá etapas de complementação de dados e ajustes, após as quais o dossiê de candidatura segue para avaliação do Comitê do Patrimônio Mundial, formado por 23 países signatários da Convenção. Este Comitê avaliará o potencial valor universal excepcional do bem, e se ele preenche os requisitos de integridade e/ou autenticidade e de proteção e gestão para o título de Patrimônio Mundial.
Caso sejam reconhecidos pela Unesco, os Teatros da Amazônia passarão a compor uma lista que já possui 14 bens brasileiros chancelados como Patrimônio Mundial Cultural, dentre os quais estão o Cais do Valongo (RJ), Brasília (DF) e os centros históricos de Ouro Preto (MG), São Luís (MA) e Salvador (BA). Como Patrimônio Mundial Natural, são reconhecidos outros sete bens, como o Complexo de Conservação da Amazônia Central (AM), o Parque Nacional do Iguaçu (PR) e as Ilhas Atlânticas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas (PE/RN). Como Patrimônio Misto, por fim, a Unesco reconhece “Paraty e Ilha Grande: cultura e biodiversidade”.
Os teatros e a história da Amazônia – Período histórico que ficou conhecido como ciclo da borracha ou Belle Époque amazônica, a virada entre os séculos XIX e XX testemunhou grandes transformações na região amazônica, como reformas urbanas, migrações nordestinas e a alteração de padrões culturais até então vigentes. Devido à valorização do látex no mercado internacional, a Amazônia se tornou epicentro da produção global. Pelos rios e igarapés, trabalhadores singravam as seringueiras para a extração do látex; as cidades, especialmente Belém e Manaus, se tornavam entrepostos comerciais, almejando os valores da modernidade europeia. Os teatros, assim, são expressão máxima dessas transformações.
Construído em estilo neoclássico no então Largo da Pólvora, hoje Praça da República, o Theatro Nossa Senhora da Paz foi inaugurado em 1878. Das várias reformas conduzidas, a de 1904 conferiu à edificação um estilo eclético. Na fachada, repousam quatro bustos que representam a música, a poesia, a tragédia e comédia. O pano de boca do palco é alegoria à República, pintado em Paris pelo cenógrafo Carpezat. Pintado por De Angelins, o painel do teto representa Apolo e Afrodite. E o teto do foyer — salão em que o público aguarda o início dos espetáculos — é decorado com motivos amazônicos.
“A candidatura pelo reconhecimento da Unesco a estes dois extraordinários patrimônios arquitetônicos, no coração da Amazônia urbana, tem um valor mais do que simbólico para o Brasil. Nossa região irá sediar a COP 30, em 2025, e o turismo receberá um significativo impulso. As duas casas de espetáculos já são uma referência cultural da Amazônia, dentro do Brasil”, contextualizou a secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal. “Com este reconhecimento, a valorização e divulgação de nossos amados teatros e de sua missão no fomento às artes ganhará uma dimensão planetária, chamando a atenção do mundo e estimulando o desejo em conhecer a pujança da cultura amazônica, sua história e a beleza de seu patrimônio”, completou ela.
O Teatro Amazonas, por sua vez, foi inaugurado em 1896, também em estilo essencialmente eclético com vinculação neoclássica. Localizado no Largo de São Sebastião, centro histórico manauara, a casa de espetáculos foi construída com projeto arquitetônico do Gabinete Português de Engenharia e Arquitetura de Lisboa. De longe, o teatro chama atenção pela cúpula feita em 36 mil peças, importadas da Alsácia, na França, nas cores da bandeira do Brasil. De autoria do artista brasileiro Crispim do Amaral, o pano de boca do palco descreve o encontro dos rios Negro e Solimões. No salão nobre, ganha destaca a pintura do teto feita por Domenico de Angelis, em 1899, intitulada “A glorificação das Bellas Artes da Amazônia”.
“O Teatro Amazonas, com uma história de 127 anos, destaca-se como o primeiro monumento tombado em Manaus pelo Iphan. É um símbolo do processo de modernização nacional, impulsionado pelo ciclo da borracha, refletindo a influência europeia através de um padrão estético eclético com uma arquitetura que incorpora elementos indígenas e referências da flora e fauna regional”, diz o secretário de Cultura e Economia Criativa do Amazonas, Marcos Apolo Muniz. “Essa abordagem única permite que ele desempenhe um papel fundamental na oferta de acessibilidade cultural a todos os públicos.”
Por: Iego Rocha/Ag. Pará com informações da Ascom Iphan