O Pará aparece como o 16º estado brasileiro com postos de combustíveis sob controle de facções criminosas, segundo um mapeamento inédito revelado pela Folha de S.Paulo. A investigação aponta que pelo menos quatro estabelecimentos no estado estão ligados ao crime organizado, em um esquema que envolve 941 postos em todo o país.
Conforme a reportagem da Folha, as autoridades federais e estaduais apuram a atuação de facções como Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho, Família do Norte e até milícias na cadeia de distribuição e comercialização de combustíveis em 22 estados brasileiros.
O estado com maior número de postos suspeitos é São Paulo (290), seguido por Goiás (163), Rio de Janeiro (146), Bahia (103) e Rio Grande do Norte (88). A investigação tem como base levantamentos de lavagem de dinheiro a partir de sócios com antecedentes criminais e o uso de laranjas, além de conexões com roubos de carga e outras operações policiais.
As organizações criminosas não atuam apenas na ponta da venda ao consumidor final. Elas também infiltraram distribuidoras e demais etapas da cadeia de abastecimento. A matéria lembra a operação “Rei do Crime”, deflagrada em 2020, que expôs um esquema bilionário do PCC nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Especialistas ouvidos pela Folha apontam que o setor de combustíveis, pela alta movimentação financeira e por falhas na fiscalização, tornou-se mais lucrativo para o crime organizado do que o tráfico de drogas. Segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os lucros com combustíveis e lubrificantes chegam a R$ 61,5 bilhões, enquanto a estimativa com cocaína é de R$ 15 bilhões. Já as perdas aos cofres públicos por fraudes e sonegação no setor podem alcançar R$ 23 bilhões por ano.
O Instituto Combustível Legal (ICL) defende alterações na legislação como forma de conter a atuação criminosa. Entre as propostas, estão a aprovação do PL 164/2022 e do PLP 125/2022, que tratam dos chamados devedores contumazes — empresas que acumulam grandes dívidas fiscais de forma recorrente.
“As facções conseguem praticar preços muito abaixo dos valores de mercado, desequilibrando a concorrência. Uma rede legal, com margens já apertadas, não consegue competir”, afirma Emerson Kapaz, presidente do ICL.
Para o promotor Fábio Bechara, do Ministério Público de São Paulo, a infiltração das facções nesse setor teve início ainda nos anos 1990, impulsionada pela intensa circulação de dinheiro em espécie nos postos. “Essa prática evoluiu. Hoje, há foco também nas distribuidoras. O volume financeiro do setor o torna extremamente atraente ao crime organizado”, diz ele, que integra o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Bechara também aponta falhas no modelo de fiscalização e na complexidade tributária como brechas exploradas de forma ilícita pelas organizações criminosas.