O futuro, ao que tudo indica, foi sequestrado. Não por máquinas, não por inteligência artificial, não por alienígenas invisíveis ao olhar humano — mas por homens e mulheres de certezas graníticas, dogmas inegociáveis e olhos que não tremem diante da miséria que eles mesmos alimentam. O futuro, este que há décadas ousamos sonhar como terreno da liberdade, da multiplicidade, da razão e da dignidade, parece agora dobrar os joelhos diante do avanço implacável dos fundamentalistas.
Eles marcham sorrindo, como quem tem o céu nas mãos e o inferno nos olhos. Vestem-se de religião, de pátria, de família, de tradição. Dizem proteger valores eternos, mas o que defendem é o medo. O medo do outro, o medo da dúvida, o medo da liberdade que exige pensar, escolher, errar. Fundamentalistas não buscam a verdade — eles a impõem. Sua fé é surda, sua moral é cega, sua justiça é um espelho trincado que só reflete a própria arrogância.
A esperança mingua. Não porque faltem sonhadores, mas porque os que sonham estão cansados. Vivem sob ataque, exaustos de gritar em meio a multidões ensurdecidas por discursos rasos, messias de ocasião e salvadores grotescos. A pós-verdade abriu caminho para o pré-pensamento, e já não se discute ideias — trocam-se insultos, compartilham-se slogans, erguem-se templos de ignorância em nome de um Deus que não reconheceria seus próprios fiéis.
O mundo, este mundo que se fragmenta em bolhas, nichos, guetos e trincheiras digitais, já não tem o luxo da utopia. O que resta aos despertos é a resistência. A recusa. A luta solitária — e por isso mesmo, sagrada — de quem ainda crê no silêncio fértil da dúvida, no abraço perigoso da diferença, na beleza incômoda da complexidade.
O futuro é dos fundamentalistas. Eles vencem eleições, ocupam os púlpitos, compram as mídias, doutrinam crianças, interditam os livros. Mas talvez, só talvez, o tempo os devore. Pois o fundamentalismo é um castelo feito de sal, e basta uma lágrima verdadeira para fazê-lo desmoronar.
Enquanto isso, seguimos. Feridos, mas não cegos. Desesperançosos, mas não rendidos. Os despertos continuam — e continuarão — acendendo pequenas fogueiras no escuro. Não para iluminar o mundo inteiro, mas para que, quando tudo parecer perdido, alguém ainda encontre um caminho.

Michel Jorgee
Jornalista, escritor e membro da Academia de Letras de Belém.