Em um grito coletivo que ecoou dentro da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), comunidades tradicionais do Maicá e do Ituqui, em Santarém, no oeste do Pará, reafirmaram: “nossos territórios não estão à venda”. O seminário “Territórios que Falam: Portos, Impactos e Resistências no Maicá e Ituqui”, realizado no último dia 10 de outubro, reuniu pescadores, quilombolas, indígenas, agricultores familiares e movimentos sociais em defesa da vida, dos rios e da floresta, e contra a expansão desenfreada dos portos e do agronegócio na região do Tapajós.
O evento, promovido pela Frente em Defesa dos Territórios Ituqui e Maicá, transformou a Ufopa em um espaço de reflexão, denúncia e resistência. Entre falas emocionadas, cânticos e místicas, emergiu um consenso: os povos da região não aceitarão ser silenciados em nome do lucro e da destruição ambiental.
A mesa de abertura, conduzida por Alice Soares, do Movimento Tapajós Vivo, contou com a participação de Valdeci Oliveira, do Conselho Pastoral dos Pescadores, Maria Eucilene Costa, do Núcleo de Pesca do Pérola do Maicá, e Rúbia Mendes, da Comunidade Serra Grande/Ituqui e do STTR.
Os participantes destacaram que o seminário é fruto de anos de mobilização e que a Frente Maicá-Ituqui nasceu da urgência em enfrentar as pressões do desmatamento, da especulação e dos grandes empreendimentos portuários. “A Frente não é uma entidade externa às comunidades, mas um espaço de resistência e construção coletiva, onde a luta é feita com e pelos povos do território”, afirmou Valdeci Oliveira.
O encerramento foi marcado pela leitura e aprovação da Carta Aberta da Frente em Defesa dos Territórios Ituqui e Maicá, documento que sintetiza as reivindicações apresentadas durante o seminário. A carta denuncia as violações socioambientais e o avanço dos portos privados sobre lagos e comunidades, exigindo do poder público medidas concretas como a celeridade na titulação dos territórios tradicionais, o cumprimento da Convenção 169 da OIT, que garante a Consulta Prévia, Livre e Informada, a revisão participativa dos licenciamentos ambientais em curso, o reconhecimento do Lago Maicá como Santuário Ecológico e a adoção de políticas públicas que assegurem saúde, infraestrutura, agricultura familiar e pesca artesanal.
O evento ocorreu em um momento simbólico, quando o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém, e o governo federal tenta reforçar sua imagem de compromisso climático diante do mundo. Entretanto, na região do Tapajós, o que se expande são os megaprojetos de exportação de commodities, que ameaçam os ecossistemas amazônicos e os modos de vida tradicionais. De acordo com levantamento da Terra de Direitos, Santarém e seu entorno já somam 41 empreendimentos portuários, sendo 27 em operação, três em construção e 11 previstos, números que revelam a crescente pressão sobre comunidades e ecossistemas locais.
Assinada por organizações como o Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto, o Movimento Tapajós Vivo, a Comissão Pastoral dos Pescadores, a FASE Amazônia, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, a Associação de Moradores do Pérola do Maicá e a própria Ufopa, a carta final ecoa como um manifesto político e social. “Não somos contra o desenvolvimento. Somos contra o modelo que destrói nossas águas, nossa comida e nossa história”, declarou a liderança comunitária Maria Eucilene, em uma das falas mais marcantes do encontro.
O seminário “Territórios que Falam” reafirmou o que as comunidades do Tapajós já dizem há décadas: não há futuro climático possível sem justiça territorial na Amazônia. As vozes do Maicá e do Ituqui seguem firmes, exigindo respeito, escuta e o direito de decidir o destino de seus territórios.
Leia a carta completa no link.
Fonte e fotos: Kamila Sampaio I Movimento Tapajós Vivo