MPF recomenda ao Iphan proteção urgente e tombamento de sítios arqueológicos em Santarém

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que sejam adotadas medidas urgentes para a proteção e o tombamento dos sítios arqueológicos Porto e Aldeia, localizados na zona urbana de Santarém, no oeste do Pará. A ação visa reduzir os danos causados pelo avanço imobiliário e pela expansão de atividades portuárias sobre o que é considerado o maior complexo arqueológico urbano da Amazônia.

recomendação, assinada pela procuradora da República Thaís Medeiros da Costa, fundamenta-se na necessidade de preservação de vestígios históricos, artísticos e culturais assegurados pela Constituição. Segundo o MPF, a omissão na proteção dessas áreas coloca em risco a memória de povos originários e evidências materiais que datam de períodos entre os anos 1200 e 1600.

O documento destaca que os sítios arqueológicos Porto (com 89 hectares) e Aldeia (com 121 hectares) são indissociáveis e compõem uma área de extrema relevância histórica. Pesquisas científicas citadas pelo MPF apontam a presença de “terra preta”, cerâmicas cerimoniais, depósitos de lixo antigos, artefatos líticos (objetos feitos de pedra que foram modificados ou utilizados por humanos ao longo do tempo) e urnas funerárias, incluindo vasos cariátides que evidenciam a presença da etnia Tapajó e revelam aspectos sociocosmológicos de sociedades complexas da Amazônia.

O MPF ressalta que esses locais são considerados sagrados para os povos indígenas atuais e representam um vínculo tangível com ancestrais. O texto menciona que, apesar de o Iphan ter inscrito os sítios no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) — sob os registros Porto (PA00788) e Aldeia (PA nº 01037), além de conexões com os sítios Porto Fluvial/DER e Porto/Vera Paz —, a proteção efetiva tem sido insuficiente diante da pressão urbana.

Ameaças identificadas – A recomendação detalha uma série de ameaças à integridade desses sítios. Entre os pontos críticos levantados, o MPF cita:

• Urbanização desordenada: o sítio Aldeia sofreu intervenções irregulares, como a implementação de uma “zona azul” na Praça Rodrigues dos Santos em janeiro de 2024, utilizada como estacionamento rotativo sobre área de interesse arqueológico.

• Expansão portuária: o documento aponta incertezas e riscos ligados à construção de terminais portuários. É citada a construção de um porto com sete silos pela empresa Raízen na orla da cidade, próximo ao campus Tapajós da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e à Companhia Docas do Pará (CDP).

• Destruição de vestígios: relatórios e alertas de docentes da Ufopa indicam que a vegetação local (bosques) está sendo suprimida e que materiais arqueológicos, como terra preta e cerâmicas, estão sendo impactados ou perdidos devido às obras e operações de empresas como a Petróleo Sabbá (subsidiária da Raízen) e Vibra Energia.

O MPF enfatiza que, embora exista um Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico (PGPA) aprovado pelo Iphan para certas áreas portuárias (terminais STM-04 e STM-05), há preocupações sobre a falta de ingerência do consórcio Porto Santarém sobre questões ambientais e a necessidade de renovação de autorizações de pesquisa.

Medidas recomendadas – Diante do cenário de degradação e da equipe técnica reduzida do Iphan na região, o MPF apontou uma série de ações que devem ser cumpridas pelo instituto:

• Mapeamento preliminar (30 dias): o Iphan deve apresentar um mapeamento das áreas passíveis de tombamento em toda a extensão dos polígonos dos sítios Porto, Aldeia, Porto Fluvial/DER e Porto/Vera Paz.

• Criação de Grupo de Trabalho (30 dias após o mapeamento): constituição de um grupo multidisciplinar com a participação das secretarias do Município de Santarém, MPF, Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Iphan, Ufopa, Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Pará (Crea-PA), Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (Foqs), Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita) e outras instituições interessadas. A finalidade é avaliar e discutir prioritariamente o mapeamento das áreas passíveis de tombamento.

• Cronograma de fiscalização (15 dias após criação do GT): elaboração de um plano para fiscalizar atividades de expansão portuária e urbana que possam comprometer os sítios, adotando medidas como conservação no local, desapropriação ou resgate arqueológico.

• Comprovação: encaminhar ao MPF os documentos comprobatórios do cumprimento de cada etapa do cronograma de fiscalização, assim como sobre o resultado das ações especificadas no cronograma.

• Notificações: notificar extrajudicialmente as pessoas jurídicas e físicas responsáveis pelas atividades de expansão portuária e urbana para cumpram integralmente as medidas de proteção ao patrimônio arqueológico.

• Presença técnica: garantir a presença física de arqueólogos no município de Santarém para o cumprimento eficaz das medidas.

• Parcerias com a Ufopa: buscar fortalecer as atividades do Laboratório de Arqueologia da universidade para a guarda e destinação do material coletado.

Contexto judicial e prazos – O documento menciona que já tramita na Justiça Federal uma ação civil pública (nº 1018118-33.2024.4.01.3902), ajuizada em setembro de 2024, que visa responsabilizar o Iphan e o município pelos danos ao sítio Aldeia. A recomendação atual busca uma atuação administrativa mais célere e abrangente.

O MPF fixou um prazo de dez dias corridos para que o Iphan informe sobre o acatamento da recomendação. O não cumprimento ou a ausência de resposta poderá resultar na adoção de providências judiciais e extrajudiciais cabíveis por parte do Ministério Público, visando a responsabilização por danos materiais e morais à coletividade.

Íntegra da recomendação

Fonte: Ascom MPF

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