Todas as manhãs, mulheres das aldeias Moygu e Arayó, no Médio Xingu, saem de casa munidas de cestos, sacolas e facões. Carregando também água e beiju, reúnem as crianças e começam a caminhar para dentro da floresta para mais um dia de coleta de sementes locais. Debaixo das árvores, seus dedos rastreiam a terra, varrendo as folhas caídas para revelar sementes de murici-da-mata, jatobá, leiteiro, carvoeiro, cafezinho-do-pasto, mamoninha, lobeira e de outras espécies locais.
Quando os cestos e sacolas estão cheios, o grupo se dirige para a Casa de Sementes do Movimento das Mulheres Yarang, instalada entre as duas aldeias, bem no centro do Parque Indígena do Xingu. Ali, as mulheres usam uma peneira para selecionar as sementes, que depois são postas para secar e então estocadas, à espera de uma encomenda. Seis horas depois de deixarem suas aldeias, elas voltam para casa.
Há mais de dez anos, as 65 integrantes do Movimento das Mulheres Yarang, do povo Ikpeng do Mato Grosso, vasculham meticulosamente a floresta em torno de suas aldeias em busca de sementes nativas. O nome do grupo, yarang, significa formiga-cortadeira (ou saúva) na língua local. “A gente trabalha como as formigas-cortadeiras, que trabalham juntas, gostam de sementes, vão na floresta, fazem coleta. Elas trabalham com sementes, sempre como um grupo”, explica Koré Ikpeng, uma das coletoras.
As mulheres Yarang vendem as sementes para viveiros, proprietários rurais e organizações com o objetivo de reflorestar áreas degradadas nas cabeceiras do Rio Xingu. “Os brancos, responsáveis pelo desmatamento, não têm mais onde coletar sementes. Então usam nossa semente para fazer a floresta deles de novo”, diz Koré.
O Movimento das Mulheres Yarang já coletou 3,2 toneladas de sementes como parte da Associação Rede de Sementes do Xingu, uma rede de desenvolvimento comunitário que desde 2007 administra e vende as sementes coletadas por 568 integrantes de 15 grupos indígenas.
Cerca de 1 milhão de árvores (aproximadamente 300 hectares) foram replantadas como resultado direto das sementes coletadas pelo Movimento das Mulheres Yarang. Contando todos os grupos, a Rede de Sementes do Xingu já coletou mais de 200 toneladas de sementes de 220 espécies nativas, resultando no reflorestamento de quase 6 mil hectares.
Como consequência da pandemia de covid-19, a Rede de Sementes do Xingu fez uma pausa em suas atividades de campo para que os povos indígenas possam ficar em suas aldeias e evitar contato com pessoas das cidades próximas. Contudo, as mulheres Yarang continuam coletando sementes para vender no futuro.
A atividade rendeu às mulheres do Movimento das Mulheres de Yarang R$ 105 mil em renda direta ao longo da última década, mas elas não fazem isso simplesmente pelo dinheiro. O desmatamento em trechos do Rio Xingu situados fora do Parque Indígena tem impacto direto sobre as águas que correm pelas aldeias onde elas vivem.
“O propósito do Movimento Yarang é reflorestar as florestas da bacia do Rio Xingu e recuperar recursos florestais importantes para elas, melhorando a qualidade da água e do solo, protegendo o rio do assoreamento, trazendo mais frutos para os peixes e animais e lutando contra as mudanças climáticas”, diz Dannyel Sá, consultor socioambiental da Rede de Sementes do Xingu.
Embora a rede venha ajudando imensamente a impulsionar as iniciativas locais de reflorestamento, o desafio não é pequeno: aproximadamente 150 mil hectares de matas de beira de rio estão degradados nas cabeceiras do Rio Xingu — área equivalente à do município de São Paulo. Na última década, mais de 1 milhão de hectares foram desmatados na bacia do Xingu. Só em 2018 foi registrada a derrubada de 150 milhões de árvores na área.
Outro desafio para as coletoras de sementes do povo Ikpeng são as mudanças climáticas. Como as chuvas têm sido menos intensas no Parque Indígena do Xingu nos últimos anos, é cada vez mais imprevisível prever quais espécies e quantas sementes elas vão poder coletar a cada época do ano.
Tais desafios, no entanto, não têm intimidado as mulheres Yarang. Quando não estão em busca de sementes, elas cuidam dos roçados, ralam e lavam a mandioca, fazem beiju, assam peixe e cuidam de suas famílias. “Elas são cantoras, xamãs, parteiras e guardiãs da agrobiodiversidade da comunidade”, diz Dannyel Sá.
A coletora Magaró Ikpeng resume a essência do movimento: “É preciso ensinar o valor das sementes, o valor das florestas. É preciso garantir que meus netos e netas vão ter futuro. Você só vai valorizar a floresta se olha para ela como algo bom. Se não fizer sentido, não vai dar valor.”
Por: Joanna Haugen
Fonte: Mongabay