Foram 27 anos como parlamentar.
E muita verba de gasolina consumida com dinheiro público ao longo desse tempo, como tem mostrado a série de reportagens publicadas neste site. Acima da capacidade de qualquer tanque e das próprias regras da câmara.
Mas nada se compara ao mês de novembro de 2006. Um mês depois das eleições para o quinto mandato como deputado federal, Jair Bolsonaro extrapolou todos os limites de gasto mensal, inclusive da cota parlamentar.
É o que mostram os novos documentos obtidos pela reportagem.
Foi assim: no fim de novembro de 2006, Jair Bolsonaro apresentou na “Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar” uma nota do Posto Pombal, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, relativa ao dia 27 daquele mês, registrando a aquisição de 2.831,38 litros de gasolina. No valor de R$ 7.075,63, (ver nota fiscal abaixo) que corrigidos pelo IGP-M são R$ 16.047,02 atuais.
Mas de acordo com os novos documentos (ver abaixo) obtidos através da Lei de Acesso à Informação da Câmara dos Deputados, o atual presidente já tinha, naquele mesmo mês, apresentado outras duas notas com a soma de R$4.233,54 (atuais R$ 9.601,36), fato até aqui não conhecido na série sobre os gastos do ex-deputado com gasolina. Assim, os R$ 16.047,02 da nota de 27 de novembro somados aos outros R$ 9.601,36 (ambos valores atualizados) que já tinha apresentado em notas nesse mesmo mês representam R$ 25.648,38 de gasto total em gasolina no período.
Bolsonaro apresentou notas no valor de R$ 11.309,17 quando o limite da cota de combustível era de R$4.500,00 mensais
Em 2006, o valor da “Verba Indenizatória do Exercício Parlamentar” era de R$15.000,00 mensais. E as despesas com combustíveis e lubrificantes tinham como limite de reembolso mensal a porcentagem de 30% do valor da verba indenizatória, correspondentes a R$4.500,00 mensais de então. E Bolsonaro apresentou notas de R$ 11.309,17 em gasolina (os atuais R$ 25.648,38). Assim, da nota de R$ 7.075,63 só teve coberta a diferença que faltava na cota dele, ou seja, R$266,46 e tendo tido glosado o valor que tentou passar além da cota.
O documento da câmara abaixo revela as estripulias do agora presidente no uso da cota parlamentar de gasolina e a glosa a qual foi submetido. E que se deu em um mês seguinte ao da campanha eleitoral, em que deputados correm sua base parlamentar e ficam fora de Brasília. A lista de presença do Congresso registra poucas presenças de Bolsonaro no congresso naquele mês, salvo em comissões no dia 8 e os votos do parlamentar nos dias 21, 22, 28 e 29 de novembro de 2006.
DOCUMENTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS:
Metade da verba arrecadada por Bolsonaro na campanha de 2006 veio dele mesmo e a outra veio de funcionário do gabinete
Na eleição de 2006, o atual presidente do Brasil concorreu ao quinto mandato consecutivo na Câmara pelo PP, partido de Paulo Maluf, político considerado como sinônimo de corrupção e escândalos, e apresentou prestação de contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de R$ R$ 20 mil em despesa e o mesmo como arrecadação. (R$ R$ 44.872,92 atuais, corrigidos pelo IGP-M).
Desses R$ 20 mil arrecadados na campanha de 2006, Bolsonaro aparece como próprio doador da metade e os outros R$ 10 mil são doados pelo capitão do exército Jorge Francisco, falecido em 2018, e que trabalhou por duas décadas como assessor parlamentar do agora presidente. Pai de Jorge Oliveira, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República e que esteve cotado para assumir o Ministério da Justiça por ocasião da saída de Sérgio Moro, e citado como candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Alguns dos assessores de então do deputado Jair Bolsonaro são citados na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro por ligações com o gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, investigado pela prática de “rachadinha” e também com Fabrício Queiroz, agora preso no Rio de Janeiro. O esquema tomava parte do salário dos assessores e voltava para o parlamentar.
O uso de reembolsos das cotas parlamentares também é tradicionalmente apontado em esquemas de “rachadinhas” de deputados e para cobrir gastos eleitorais. Um cheque de R$ 24 mil de Fabrício Queiroz para Michele Bolsonaro, mulher do presidente, também está citado.
Em abril de 2009, depois de reportagem da Folha de São Paulo de grande repercussão, publicada em 20 de fevereiro daquele ano e mostrando abusos do uso da cota, a Mesa Diretora da Câmara, após pressão popular, decidiu divulgar no site da casa as cópias das notas fiscais que comprovam os gastos com a verba, o que antes não era feito. O principal ponto da notícia era mostrar que parlamentares, mesmo dentro das brechas da legalidade, gastaram altas quantias durante o recesso parlamentar do mês anterior, janeiro, e como era possível que gastos improváveis fossem feitos legalmente.
Nesse recesso parlamentar de 2009, em fato mostrado em reportagem recente da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, Jair Bolsonaro apresentou nota do mês de janeiro com valor de R$ 2.608,00 na ocasião, corrigidos para R$ 4.833,38 atuais.
A Constituição estabelece que o recesso parlamentar vai de 22 de dezembro até o dia 1° de fevereiro do ano seguinte. Como o 1° de fevereiro naquele ano caiu no domingo, Câmara e Senado só reiniciaram os trabalhos no dia 2. E Jair Bolsonaro, cuja última votação antes da parada tinha sido na Sessão Extraordinária Nº 327, em 17 de dezembro de 2008, tem outro registro de votação apenas dois meses depois, em 17 de fevereiro de 2009, na Sessão Extraordinária Nº 14. Ou seja, mesmo sem trabalhar para o mandato, consumiu quase R$ 5 mil de gasolina com dinheiro público no período.
Numa terceira reportagem sobre o tema, a Agência Sportlight mostrou que em onze idas a dois postos de gasolina do Rio, o Rocar (Barra da Tijuca) e o Pombal (Tijuca), entre 7 de janeiro de 2009 e 11 de fevereiro de 2011, o então deputado usou o equivalente a R$ 45.329,48 (valor corrigido pelo IGP-M a partir da soma de cada nota). Uma média de R$ 4.120,86 a cada ida nesses dois postos.
Como resultado da publicação, na última quarta-feira, 29, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, encaminhou para a Procuradoria Geral da União (PGR), uma notícia-crime contra Jair Bolsonaro. Na petição, Fux pede que o presidente seja investigado, tendo por base a reportagem da Agência Sportlight.
Outro lado:
No início da série, a reportagem enviou pedido de “outro lado” para o presidente Jair Bolsonaro através da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) para que comentasse sobre os fatos abordados nas reportagens e recebeu a resposta abaixo. Caso a presidência resolva responder, será aqui publicado.
Resposta:
“Prezado jornalista,
O Planalto não comentará. SECOM/PR”
Fonte: Lúcio de Castro I Agência Sportlight