Apesar da criação do Conselho da Amazônia e da promessa de maior controle no bioma, por parte das Forças Armadas, agosto de 2020 repetiu a tragédia vivida em 2019, com um pico dramático no número de focos de fogo. Dos 44.013 focos de queimadas registrados no acumulado de 2020, 29.307 ocorreram entre 1º e 31 de agosto – o que representa 66,5% do total. O número ficou bem próximo daquele registrado durante os 31 dias de agosto de 2019: 30.900 focos.
No caso do Pantanal, a situação é ainda mais dramática: houve um aumento de 220% no número de focos de incêndio de 1 de janeiro a 31 de agosto. De acordo com o Inpe, foram 10.153 focos de calor; nesse mesmo período de 2019, foram contabilizados 3.165 focos.
“Se essas tendências se mantiverem, haverá consequências devastadoras no longo prazo devido à liberação de milhões de toneladas extras de dióxido de carbono, perda de espécies e destruição de ecossistemas vitais. Além disso, as queimadas trazem risco de graves problemas de saúde, além de ameaçar meios de subsistência locais”, diz Mariana Napolitano, gerente do WWF-Brasil para Ciências.
“O total de focos de fogo de janeiro até agosto na Amazônia mostra um número 39% maior que a média dos últimos dez anos para o mesmo período no bioma”, diz Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil. “Apesar dos milhões gastos com a presença do Exército na Amazônia, da proibição do uso do fogo, os números deste ano continuam muito acima da média histórica. Uma pequena queda nos números de agosto, quando comparado com 2019, não significa quase nada, dado que no ano passado os números nesse mês foram recordes. Pode até ser que até o fim da temporada seca, parte do que já foi e continua sendo ilegalmente desmatado não venha a ser queimado, para dar uma aparência de que o problema está sob controle. Isso diminuiria o número de focos de incêndios na Amazônia, mas não pode ser objeto de comemoração. O que queremos é que o desmatamento pare de aumentar, algo que não ocorreu até o momento”.
Por conta do aumento recorde no registro de queimadas e da previsão de um verão amazônico ainda rigoroso para setembro e outubro, o governo do Acre decretou, nesta terça-feira, 1º de setembro, situação de emergência ambiental. Conforme estudo da Nasa, o estado é o mais propício a sofrer com incêndios florestais em 2020 por conta das condições climatológicas.
Pará, Amazonas e Acre: os campeões de queimadas
Os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que os estados campeões em detecção de queimadas em agosto no bioma Amazônia foram Pará (10.865), Amazonas (8.030) e Acre (3.578).
Dois dos dez municípios que mais queimaram no mês passado são do Pará: Altamira e São Félix do Xingu. Depois são acompanhados por Poconé e Corumbá, ambos em Mato Grosso, Novo Progresso (PA), Apuí (AM), Barão de Melgaço (MT), Porto Velho (RO), Lábrea (AM) e Novo Aripuanã (AM).
Dos dados de agosto, chama a atenção que o Acre tenha subido à terceira posição entre os estados. No mesmo período do ano passado, o estado ocupou o quinto lugar, atrás de Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. Agora, os focos superaram até mesmo do vizinho Rondônia, também caracterizado pelos elevados impactos ambientais no bioma.
Ao se analisar os dados do Inpe observa-se que as queimadas estão concentradas justamente na região de áreas de floresta mais preservadas do estado, como o Vale do Juruá, uma das mais ricas em biodiversidade do mundo.
Os municípios de Feijó, Tarauacá e Manoel Urbano formam o trio líder de fogo. Este último tem sido impactado sobremaneira pela invasão de terras públicas dentro de seu território para fins de grilagem. Outro dado preocupante é o elevado registro de queimadas nos municípios isolados do Acre (Jordão, Marechal Thaumaturgo e Porto Walter), cujo acesso só é possível via fluvial ou aérea.
A distância e o isolamento geográfico desses municípios não os impede de serem impactados pela nova fronteira da devastação da Amazônia; essa é uma região que ainda conserva imensas áreas de floresta intacta, lar de populações tradicionais e incontáveis espécies animais e vegetais.
Já no Amazonas o foco da devastação continua nos municípios localizados na região sul e sudeste do estado, que estão inseridos no chamado arco do desmatamento. O recordista em queimadas no mês passado foi Apuí, com 1.482 focos. Logo abaixo aparecem Lábrea (1.315), Novo Aripuanã (1.134), Manicoré (747), Humaitá (571) e Boca do Acre (502). Todos estes municípios possuem uma imensa área territorial e estão próximos um dos outros.
As principais razões para o aumento dos impactos nesta porção do Amazonas é o desmatamento para grilagem de terras públicas e a expansão de pastagens. Ao se comparar o total de incêndios no bioma Amazônia no acumulado deste ano com o igual período de 2019 há uma redução de 6%. Os dados mantêm novamente o alerta máximo diante da tendência de manutenção e até elevação das queimadas em setembro, outro mês caracterizado por temperaturas elevadas e umidade baixa.
Pantanal
Se a Amazônia conseguiu encerrar o mês de agosto com uma tímida redução dos incêndios, o mesmo não se pode dizer do Pantanal, o menor dos biomas brasileiros. De 1 de janeiro a 31 de agosto, foram detectados -de acordo com o Inpe- 10.153 focos de calor; aumento de 220% em cotejo com os mesmos dias de 2019, quando foram contabilizados 3.165 focos.
A única semelhança com a vizinha Amazônia é o fato de 58,4% deste total ter sido registrado nos 31 dias de agosto. Ao todo foram 5.935 focos. A grande maioria deles (4.215) foi detectada no território de Mato Grosso, enquanto Mato Grosso do Sul ficou com 1.720.
“Esses números mostram a fragilidade do bioma pantaneiro frente a mudanças no regime de chuvas na região”, diz Júlio César Sampaio, líder da Iniciativa Pantanal do WWF, que reúne Brasil, Paraguai e Bolívia. “Infelizmente, o problema com os incêndios deve persistir nos próximos dias. Dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) traz alertas para os estados de MS e MT, de grau de severidade em perigo: a umidade relativa do ar deve variar entre 20% e 12%. Além dos riscos de incêndios florestais, a saúde também será afetada, uma vez que a baixa umidade agrava os problemas respiratórios.”
O principal motivo apontado para as queimadas recordes no Pantanal é uma estiagem severa que também afeta a região, após o período de chuvas em 2020 já ter sido marcado pela baixa pluviosidade. Muitas áreas pantaneiras que ainda deveriam estar encharcadas em agosto ficaram tomadas de uma vegetação seca, o que contribuiu para a proliferação do fogo.
“É fundamental que um novo sistema de manejo e combate ao fogo seja instalado, pois a crise tende a se repetir anualmente. Precisaremos nos preparar com sistemas de alerta, ferramentas de priorização, mobilização de voluntários e a criação de um aparato público de combate a este tipo de crise ambiental”, diz o engenheiro florestal Cassio Bernardino, analista de conservação do WWF-Brasil. “Estudos da Embrapa Pantanal indicam uma concentração de chuvas em períodos cada vez menores, enquanto pesquisadores da UFMT já demonstraram que sem um grande descanso (sem fogos) o bioma pode se tornar um deserto.”
Fonte: WWF Brasil