O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), pelo procurador-geral de Justiça, ingressou ontem, 24 de março, no Tribunal de Justiça (TJPA), com denúncia contra Osmar Vieira da Costa Júnior, Alberto Beltrame, Peter Cassol Silveira, Cíntia de Santana Andrade Teixeira, Ana Lúcia Lima Alves, Adriano Nahon Souza Moraes, Marcos Roberto Castro da Silva, Luiza Rosane Riberio Pontes, Mauro Sérgio Ferreira do Carmo, Paulo Cesar Charchar de Oliveira, Ana Carolina Dias Rodrigues e Marcos Emanoel Aquino Castro, para instauração de ação penal pelos crimes de formação de organização criminosa (art. 1º e 2º da Lei nº 12.850/2013), peculato (art. 312 do CP), fraudes em procedimentos licitatórios (arts. 89 e 96 da Lei 8.666/93), corrupção passiva (art. 317 do CP) e lavagem de capitais (art. 1º e 4º da Lei 9.613/98).
Trata-se de mais uma ação penal que resultou da união de esforços do Ministério Público do Estado com a Procuradoria da República, Polícia Federal e Ministério Público de Contas.
A peça acusatória traz consigo farto material probatório colhido através do Procedimento Investigatório Criminal nº SIMP N° 000028-130/2020, instaurado pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO), com o apoio do Núcleo de Combate à Improbidade e à Corrupção (NCIC) e Grupo Especial de Segurança Institucional (GSI), órgãos do Ministério Público do Pará que atuam diretamente no enfrentamento da corrupção institucionalizada.
A investigação descortinou mais uma fraude milionária na Secretaria de Saúde, onde uma organização criminosa instalou um verdadeiro balcão de negócios, objetivando desviar dinheiro público, usando a mortal pandemia do vírus covid-19 de pano de fundo.
A fraude teve início com a aquisição superfaturada de R$ 1 milhão, 140 mil garrafas de polietileno de 240 ml da empresa MARCOPLAS Comércio de Móveis LTDA, supostamente para envasamento de álcool gel doado pela iniciativa privada, pelo astronômico valor de e R$ 1 milhão, 710 mil reais, sendo, portanto, pago por cada produto o valor unitário de R$ 1 real e 50 centavos, em total desacordo com o preço de mercado.
A empresa MARCOPLAS Comércio de Móveis LTDA nunca fabricou ou comercializou garrafas de polietileno, sendo escolhida pela organização criminosa apenas para constar do contrato e emitir a nota fiscal. Contrariando frontalmente a legislação de licitação e o próprio contrato, a MARCOPLAS adquiriu de outras empresas todo o objeto contratado, por valores infinitamente inferiores aos cobrados do Estado do Pará.
O Estado do Pará pagou aos representantes da MARCOPLAS antecipadamente, enquanto estes usaram o dinheiro para adquirir de outras empresas o objeto do contrato, de forma que a MARCOPLAS não precisou investir nada no negócio ou realizar qualquer trabalho, ficando apenas com o lucro exorbitante, distribuído entre os integrantes da máfia. A Organização Criminosa se utilizou de diversas pessoas jurídicas para ocultar o dinheiro, realizando condutas consideradas crime de lavagem de capitais.
Meses após a consumação dos crimes, a SESPA montou um procedimento licitatório apenas para apresentar aos órgãos de controle.
A montagem de procedimentos licitatórios foi até confessada pela ex-chefe de unidade mista da SESPA, Ana Lúcia, e pela ex-diretora de departamento da mesma secretaria, Cíntia Teixeira, que alegaram terem atendido à ordem superior.
A denúncia apresenta o resultado do trabalho de análise da apreensão de smartphones e computadores de vários envolvidos, onde constam arquivos de mensagens escritas e de áudio trocadas entre os denunciados.
A participação da maioria dos servidores públicos denunciados na organização criminosa, especialmente o secretário Beltrame e o secretário adjunto Peter Cassol, já tinha sido objeto de outras ações cíveis e penais. A novidade desta fase das investigações está no envolvimento do Coronel Costa Júnior, que ainda ocupa o alto escalão do Governo estadual.
A participação do chefe da Casa Militar do Governo do Estado foi justamente descoberta pela análise das trocas de mensagens entre o Coronel Costa Júnior e representantes da MARCOPLAS. Mensagens revelaram que representantes da MARCOPLAS tratavam da negociação, antes da existência da dispensa, dentro da Casa Civil (onde fica a Casa Militar). Em outra mensagem, Costa Júnior orienta Luiza Rosane sobre como fazer e a quem direcionar a proposta fraudulenta, dias antes do procedimento licitatório existir formalmente.
Às 14:09:29 do dia 20.03.20, Mauro informa a Marcos Castro que estão na Casa Civil:
Ainda no mesmo dia, horas mais tarde, o diálogo obtido entre Mauro e sua esposa, de nome Melissa de Ketlyn, onde aquele informa que “haviam acabado de chegar da Casa Civil” (mesmo local onde funciona a Casa Militar) e fecharam o valor:
Logo depois, aproximadamente às 18:52, o Costa Júnior envia mensagens de áudio para Luzia, orientando sobre retificações que precisavam ser feitas na proposta:
Veja a transcrição do áudio: “Rosane, boa noite. Nessa proposta coloque: proposta à Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará. Secretaria de Estado de Saúde Pública o Pará. Eu acho que também no termo que tá aí na planilha deve ser sopro, tá sopor, né?. Coloque sopro. Acho que é o sopro, que é a situação da garrafinha que se transforma num recipiente de 240ml, né?”
Veja a transcrição do áudio: “O att aí que tá Costa Junior, coloque: att Dr. Alberto Beltrame. Opa…”
O papel de destaque do coronel Costa Júnio nas negociações foi tão significativo que os denunciados Mauro e Paulo discutem quanto o coronel iria ganhar no esquema:
Em outro diálogo em grupo de whatsapp, uma servidora da Ascom-Secom, deixa claro o papel de executor do comando das negociações a cargo do denunciado Costa Júnior:
Até o momento, as investigações ainda não determinaram exatamente quanto do dinheiro desviado ficou com Costa Júnior, mas na sede da empresa MARCOPLAS foi apreendido um boleto, no valor de R$ 5.264,20, com data de vencimento em 13/04/2020. Já num computador apreendido na mesma empresa foi encontrado uma planilha de despesas onde consta: CELULAR COSTA JR. R$ 5.264,20. A conclusão lógica da denúncia foi que o Coronel recebeu pelo menos um celular de luxo pelos seus préstimos ilícitos.
O custo real e total para produção das garrafas, incluindo imposto e comissionamento dos intermediadores comerciais (denunciados Mauro e Paulo receberam cem mil cada) foi de R$857.062,90. Caso o Estado do Pará contratasse diretamente com os verdadeiros fornecedores teria gasto R$ 657.062,90 e economizado R$ 1.052.937,10.
Por fim, outra constatação que afasta totalmente o caráter emergencial que justificaria a dispensa, é o fato de que passados mais de dois meses da contratação, o envasamento não tinha sido realizado. Em 17/11/2020, o Estado do Pará ainda mantinha no depósito do GRUPO CIPOAL, contratado para envazar o álcool, 363.000 (trezentos e sessenta e três mil) garrafas vazias.
O PIC foi declinado para a Procuradoria-Geral de Justiça e a ação penal foi proposta perante o Tribunal de Justiça porque a Constituição Estadual confere foro por prerrogativa de função ao chefe da Casa Militar, sendo registrado como Processo nº 0802379-79.2021.8.14.0000. As investigações tiveram início em junho de 2020 pelo GAECO e NCIC.
Fonte: MPE