MPF pede anulação de licença para mineradora em Altamira por riscos a indígenas Kayapó

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação na Justiça Federal, no último dia 30 de julho, pedindo com urgência a anulação da licença prévia concedida ao projeto de mineração de ouro Castelo de Sonhos, em Altamira, no sudoeste do Pará. A iniciativa é movida contra o Governo do Estado e a empresa Mineração Castelo dos Sonhos e tem como base um conjunto de irregularidades identificadas no processo de licenciamento ambiental, além da ausência de consulta aos povos indígenas Kayapó, das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, que estariam diretamente ameaçados pelo empreendimento.

De acordo com o MPF, a licença ambiental, concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) em agosto de 2024, foi emitida sem considerar os impactos sobre os territórios indígenas e sem cumprir dispositivos legais e constitucionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige a realização de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) às comunidades afetadas.

A procuradora da República Thaís Medeiros da Costa, responsável pela ação, baseou os pedidos em laudos técnicos do próprio MPF, que analisaram o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) apresentados pela mineradora. Os estudos apontam uma série de falhas graves, incluindo a inexistência do Estudo do Componente Indígena (ECI), o que contraria normas básicas de proteção aos povos originários.

Outro ponto crítico da ação é o projeto de construção de uma barragem de rejeitos com 26 metros de altura e capacidade para armazenar até 53 milhões de metros cúbicos de resíduos, classificada como de Dano Potencial Alto. A estrutura, segundo o próprio EIA, ficaria a menos de 28 quilômetros do Rio Curuá — um dos principais cursos d’água que banham as aldeias da TI Baú e sustentam o modo de vida dos Kayapó. A região, que já sofre os impactos de atividades ilegais de garimpo, poderia ser ainda mais contaminada com substâncias tóxicas, como cianeto e metais pesados utilizados no processo de extração do ouro.

A ação judicial também alerta para a presença de sítios arqueológicos e locais sagrados na área do empreendimento, incluindo cemitérios e um sítio com peças cerâmicas inteiras localizado a apenas 6,5 km da área prevista para instalação da mina. O MPF afirma que essas informações não foram devidamente consideradas no EIA.

Os peritos do Ministério Público ainda apontam falhas técnicas no relatório da mineradora, como a ausência de plano de contingência para rompimentos da barragem, indefinições sobre o controle de emissões atmosféricas e a falta de classificação adequada dos rejeitos.

Em sua defesa, tanto a Semas quanto a Mineração Castelo dos Sonhos — controlada pela Tristar Mineração do Brasil — alegaram que não seria necessário o Estudo do Componente Indígena porque o projeto está localizado a mais de 10 quilômetros das terras indígenas, conforme estabelece a Portaria Interministerial nº 60/2015. No entanto, o MPF rebate esse argumento, afirmando que os impactos indiretos ultrapassam a distância física e que rios e ecossistemas conectam essas comunidades às áreas impactadas.

A procuradora argumenta ainda que a interpretação usada pelos órgãos estaduais é restritiva e contraria jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que reconhece a necessidade de considerar efeitos ambientais indiretos em grandes empreendimentos. Ela reforça que a visão de território dos povos indígenas não se limita a linhas geográficas, mas inclui elementos interdependentes como rios, fauna e flora, essenciais para sua cultura e subsistência.

Diante do cenário, o MPF solicita à Justiça a imediata anulação da Licença Prévia nº 2016/2024, a suspensão de todo o processo de licenciamento até que seja regularizado, a proibição de qualquer atividade da mineradora no local e a exigência da realização da CPLI com os Kayapó, do Estudo do Componente Indígena e da correção das falhas técnicas nos estudos apresentados. Também requer a aplicação de multa diária de R$ 10 mil caso as determinações sejam descumpridas.

Na ação, o MPF faz um apelo pela proteção cultural dos povos originários, citando uma reflexão do escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos: “Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade, mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados, mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade. Porque as nossas imagens também são ancestrais.”

Em decisão proferida no dia 1º de agosto, o juiz federal Alexsander Kaim Kamphorst optou por adiar a análise dos pedidos de urgência e determinou que a Semas e a Mineração Castelo dos Sonhos sejam citadas. Também ordenou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) seja intimada a se manifestar antes da apreciação da liminar. A ação segue em tramitação.

As informações são do MPF

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