O Ministério Público Federal (MPF) pediu este mês à Justiça Federal que suspenda mais uma licença ambiental concedida pelo Estado do Pará para o porto da empresa Atem”s no Lago do Maicá, em Santarém (PA), novamente sem consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e a comunidades quilombolas e de pescadores potencialmente afetados pelas atividades do empreendimento.
A licença anterior permitia o armazenamento e transporte de combustíveis. A nova licença concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) à Atem”s amplia a autorização, permitindo que o terminal portuário também seja utilizado para o armazenamento e transporte de soja, milho, farelos e fertilizantes.
A pedido do MPF e do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), em 2020 a Justiça Federal no Pará havia suspendido o licenciamento. O Estado do Pará e a empresa entraram com recursos contra a decisão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília (DF), e a decisão da Justiça Federal no Pará foi suspensa pelo tribunal. Em 2022, a Semas emitiu a primeira licença de operação e, no ano passado, emitiu a segunda.
Na ação ajuizada este mês, o MPF pede que a Justiça determine a suspensão da nova licença e, consequentemente, das atividades de armazenamento e transporte de granéis no porto até a realização da consulta livre, prévia e informada de indígenas, quilombolas e pescadores artesanais potencialmente afetados, de acordo com os respectivos protocolos de consulta.
O Lago do Maicá é o corpo hídrico mais importante da área urbana ou área periurbana (entre a zona urbana e a zona rural) de Santarém em termos de produção pesqueira, conforme indica o MPF na ação. O lago – que abrange um sistema de lagos, furos, igarapés, igapós e áreas alagáveis (várzea) – é tradicionalmente utilizado por diversas comunidades quilombolas, por indígenas e por pescadores artesanais, para pesca artesanal, navegação ou outras atividades de caráter tradicional.
Povos e comunidades impactados – Segundo estudos apresentados pelo MPF na ação, o porto tem potencial para impactar sete comunidades quilombolas (Pérola do Maicá, Arapemã, Saracura, Bom Jardim, Maria Valentina, Murumuru e Tiningu), o Território Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno e áreas de pesca tradicional.
As comunidades quilombolas estão localizadas a menos de 15 quilômetros de distância do empreendimento, sendo que três delas estão a uma distância menor que dez quilômetros. Segundo portaria interministerial, há suposição legal automática de que empreendimentos portuários situados dentro desse raio de distância de terras quilombolas podem causar impactos significativos às comunidades.
Quanto aos pescadores artesanais, segundo informações de seu próprio protocolo de consulta, são 140 comunidades, com população de 35 mil pessoas, distribuídos em oito conselhos de pesca, dos quais o primeiro atua no Maicá. O porto está instalado a cerca de 2,1 quilômetros a montante da Boca do Maicá e de dezenas de outros importantes locais de pesca dos pescadores artesanais daquela região.
Além disso, o MPF alerta que o transporte de grãos pelo porto da Atem´s tem o potencial de incentivar a expansão do agronegócio – plantação de soja e milho, na terra firme, e pecuária, na área de várzea – na região conhecida como Planalto Santareno, onde estão localizadas cinco aldeias (Açaizal, Amparador, Ipaupixuna, São Francisco da Cavada e São Pedro do Palhão, que integram a Terra Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno) e vários territórios quilombolas (Murumuru, Murumurutuba e Tiningu).
Pressão e conflitos – Inspeção feita pelo MPF em 2020 já registrava relatos sobre crescente pressão imobiliária nas áreas do Maicá após o anúncio dos empreendimentos portuários, “algo que deveria ter sido considerado no âmbito do licenciamento ambiental”, destaca o procurador da República Vítor Vieira Alves. “Essa circunstância tende a aumentar significativamente com a licença ambiental para transporte de granéis sólidos, como grão e soja, acirrando a pressão imobiliária e os conflitos fundiários na região”, complementa o representante do MPF, na ação.
Embora os procedimentos de demarcação dos territórios indígena e quilombolas se encontrem em fase avançada, a falta de finalização da demarcação oficial (de caráter puramente declaratório) gera conflito com os sojeiros instalados na região, inclusive com ameaça a lideranças e defensores de direitos humanos, ressalta o MPF.
Além da expansão do agronegócio no Planalto Santareno ser um dos possíveis impactos da ampliação da atividade no porto da Atem´s, um inquérito do MPF também demonstra que as atividades dos portos do Lago do Maicá aumentam o fenômeno chamado terras caídas. Esse fenômeno é a perda de grandes porções das margens das ilhas localizadas nas várzeas. O quilombo Arapemã perdeu mais da metade do seu território devido a esse fenômeno, exemplifica o MPF na ação.
Fraudes – Em outro processo, o MPF e o MPPA, além de pedir a anulação das licenças, pedem que a Justiça determine a demolição das construções não autorizadas pela licença de instalação e obrigue a Atem´s a pagar danos morais coletivos por fraudar o procedimento de licenciamento ambiental. Segundo o MPF e o MPPA, a empresa omitiu que a carga transportada seria do tipo perigosa (petróleo e derivados) e submeteu o projeto a licenciamento para cargas não perigosas, com exigências ambientais menos rigorosas.
Fonte: MPF