MPF aciona Justiça contra “nuvem de veneno” no Planalto Santareno

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou nesta segunda-feira (4) com uma ação na Justiça Federal para obrigar a União, o Estado do Pará, a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) e o município de Santarém a elaborarem e executarem um plano emergencial de proteção às populações e ao meio ambiente contra os impactos da pulverização de agrotóxicos no Planalto Santareno, região situada a cerca de 42 km da área urbana de Santarém, no oeste do Pará.

A ação tem como objetivo principal exigir uma resposta efetiva dos órgãos públicos diante da crescente ameaça provocada pelo uso intensivo de agrotóxicos na área, marcada pela expansão do agronegócio e pelo monocultivo de grãos. A região abriga, inclusive, a Terra Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, onde vivem comunidades tradicionais distribuídas em cinco aldeias.

Segundo o MPF, o plano emergencial deve prever medidas claras para garantir distâncias mínimas de segurança entre as áreas de aplicação de agrotóxicos e locais sensíveis como aldeias indígenas, comunidades quilombolas e de agricultores familiares, escolas, postos de saúde e cursos d’água. Também devem constar do plano a identificação das comunidades impactadas, a periodicidade de fiscalizações nas propriedades rurais, o monitoramento da saúde dos moradores e da qualidade da água, com prazos e metas bem definidos, além da indicação de responsáveis por sua execução.

O plano, após aprovado, deverá ser implementado com acompanhamento judicial e submetido a avaliações periódicas por meio de relatórios trimestrais. A proposta é resultado de uma investigação que reuniu provas contundentes sobre os riscos enfrentados pela população local. Um dos principais documentos anexados à ação é um laudo da Polícia Federal que confirma a proximidade entre lavouras e residências, com plantações a apenas seis metros de casas na aldeia Açaizal, sem qualquer tipo de barreira de proteção. Imagens mostram caixas d’água comunitárias coladas a áreas de cultivo, e análises de solo detectaram substâncias tóxicas como paration, alacloro e atrazina.

Para o procurador da República Vítor Vieira Alves, responsável pela ação, a omissão do poder público diante da gravidade do problema é evidente. Ele cita que a própria Adepará reconheceu em 2022 a falta de critérios legais sobre distâncias mínimas para pulverização terrestre, motivo pelo qual não fiscaliza a aplicação de agrotóxicos no Planalto Santareno. Já a Secretaria Estadual de Meio Ambiente chegou a elaborar propostas de regulamentação, mas nenhuma norma foi efetivamente aprovada até agora.

Apesar da inércia, o uso de agrotóxicos na região cresceu 600% nos últimos anos, conforme dados citados na ação. O avanço do veneno levou o Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto a denunciar que os agrotóxicos estão sendo levados pela chuva até os igarapés, contaminando as fontes de água e destruindo espécies frutíferas essenciais à alimentação, à economia e à cultura dos povos indígenas, como graviola, uxi, piquiá e pupunha.

Os efeitos na saúde também são alarmantes. Um estudo do INCT Odisseia, vinculado ao CNPq, constatou que todas as amostras de urina coletadas de moradores da região apresentaram resíduos do herbicida glifosato. Outra pesquisa, realizada pela professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Eliza Maria da Costa Brito Lacerda, revelou déficits na percepção de cores entre os moradores – um possível sinal precoce de danos neurofisiológicos causados pela exposição constante aos venenos.

A pesquisadora ainda relatou ao MPF que moradores dizem sentir o cheiro e até o gosto dos agrotóxicos no ar, no momento em que são aplicados nas lavouras próximas. “É como se estivessem ingerindo o veneno em gotas”, afirmou.

Outro levantamento, conduzido pela professora da Ufopa Flávia Garcez da Silva, mostrou que 70% dos entrevistados relataram sintomas como náuseas, tonturas e dores de cabeça, além de apresentarem alterações laboratoriais significativas, como dislipidemias. Um caso emblemático foi o da escola municipal Professora Vitalina Motta, em Belterra (PA), que precisou suspender as aulas após ser atingida por uma “nuvem de veneno”.

Diante dos fatos, o MPF argumenta que a situação configura um caso de racismo ambiental, já que são comunidades vulneráveis as mais afetadas pela contaminação, além de representar um “genocídio cultural”, por forçar o abandono dos territórios e dos modos de vida tradicionais dessas populações.

Além da elaboração e execução do plano emergencial, o MPF requer a condenação dos entes públicos à implementação de um plano de recuperação das áreas degradadas (PRAD), o pagamento de indenizações por danos morais coletivos e sociais e o reconhecimento do direito à indenização individual dos moradores afetados desde o ano 2000. O valor total da causa foi estimado em R$ 900 milhões.

As informações são do MPF

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