A Justiça Federal obrigou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a realizar o tombamento do patrimônio histórico e cultural do distrito de Fordlândia, em Aveiro, no Pará,
até o final de maio de 2022. Fordlândia foi fundada em 1927 como tentativa da empresa Ford de ter um polo produtor de borracha para suas indústrias. O distrito ainda possui prédios originais da época da fundação.
O tombamento é um dos dispositivos legais que o poder público dispõe para preservar a memória nacional. É o ato administrativo que tem por finalidade proteger – por meio da aplicação de leis específicas – bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.
A necessidade do tombamento de Fordlândia é ainda mais evidente quando tida em conta a situação de degradação de diversos pontos do acervo arquitetônico do distrito, como no caso do hospital Henry Ford – já em ruínas –, do cinema – recentemente submetido ao colapso de sua cobertura –, e de algumas casas da Vila Operária e da Vila Americana, nas quais a adulteração de características originais já é uma realidade, destacou o juiz federal Domingos Daniel Moutinho da Conceição Filho, que inspecionou as construções e promoveu audiência pública sobre o tema no distrito, no início deste mês.
Assinada na última sexta-feira (17), a decisão também determina que equipe de arquitetos do Iphan deverá, até o final de outubro do ano que vem, apresentar e colocar à disposição das autoridades e da população de Fordlândia projeto completo de restauração dos seguintes prédios: galpões e estufa do “cercado”, convento, casas da Vila Americana, escola Henry Ford, Cine Patinha e uma de cada uma das cinco tipologias de casas das Vilas Operárias.
O procedimento para tombar o distrito foi iniciado em 1990, mas não foi concluído até o momento. Por meio de recomendações e ofícios, o MPF tentou que o Iphan e o município de Aveiro atuassem de maneira mais efetiva para proteger o patrimônio, sem sucesso. Por isso, em 2015 ajuizou ação sobre o tema, pedindo que a Justiça obrigasse o Iphan a dar prioridade para o processo de tombamento de Fordlândia e que ao município de Aveiro fosse determinada a tomada de medidas imediatas de proteção do conjunto arquitetônico.
Preservação como contrapartida – De acordo com informações prestadas na audiência pública realizada pela Justiça Federal em Fordlândia, Aveiro é um município praticamente sem arrecadação própria e depende dos repasses constitucionais e de repasses voluntários de recursos de outras esferas, registra a decisão judicial.
Não é possível esperar que o município possa ficar responsável pela manutenção e recuperação de todo o acervo patrimonial existente no distrito, mas o início da exploração das enormes minas de gipsita (matéria prima do gesso) nos arredores da localidade abre para a região a possibilidade de um novo ciclo econômico, destaca o juiz federal.
“É preciso, pois, que as externalidades negativas decorrentes da exploração mineral na região sejam internalizadas pelo empreendimento e que, assim, possam se reverter em bem-estar em favor da
população. E, em se tratando de Fordlândia, esse bem-estar passa, necessariamente, pela preservação e recuperação de seu acervo histórico e cultural. A chave para tanto está em necessariamente incluir entre as condicionantes dos licenciamentos ambientais obrigações que digam respeito à recuperação dos imóveis com valor de memória para a população”, aponta.
Município e DPU – Na decisão da última sexta-feira, o juiz federal Domingos Daniel Moutinho reiterou dispositivos de decisão urgente (liminar) publicada em 2016 que obrigou o município de Aveiro a garantir a manutenção do patrimônio do distrito.
O município também terá que juntar ao processo judicial, até o final de fevereiro de 2022, cópia integral do processo de licenciamento ambiental concedido para projeto de uma mineradora no município, para que sejam verificadas quais foram as condições obrigatórias eventualmente impostas ao projeto e se tinham relação com a preservação da história de Fordlândia.
Para outro projeto de licenciamento em andamento no município, Aveiro terá que incluir condições obrigatórias relativas à recuperação dos principais prédios históricos do distrito de Fordlândia. As provas de que essas obrigações foram impostas devem ser anexadas ao processo judicial até o final de março de 2022, determinou o juiz federal.
A Defensoria Pública da União (DPU) foi incluída no processo para atuar na defesa dos direitos da população carente do distrito. A DPU será convocada a compor as mesas de debate sobre eventuais propostas de regularização da posse das casas na vila operária de Fordlândia, estabeleceu a Justiça Federal.
Fonte: MPF