A Justiça Federal em Itaituba (PA) atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF) e proibiu o governo federal de leiloar áreas dentro da Floresta Nacional (Flona) do Amanã, onde existe registro de indígenas vivendo em isolamento voluntário. A decisão suspende a licitação atual, que teve abertura de propostas em 31 de agosto, e impede a realização de novos certames dentro da Flona por “impossibilidade legal de realização de atividade” na área.
O Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pelo leilão, deve comprovar que obedeceu a decisão no prazo de 20 dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil pelo descumprimento. Para a Justiça Federal está comprovado que “existe ou pode existir forte presença de indígenas isolados na Flona do Amanã e o princípio da precaução tutela a sua existência, sobrevivência e manutenção de dignidade culturais, como indivíduos e como povo, de forma que está comprovada a probabilidade do direito e o perigo da demora, em razão da existência de edital de concessão florestal em fase final”.
A liminar ressalta que “as ocupações tradicionais indígenas são de posse permanente e usufruto exclusivo dos indígenas”. “Isso quer dizer que havendo quaisquer vestígios de vida e sobrevivência indígena no local, não existe qualquer possibilidade de terceirização ou privatização da gestão florestal (…) já que o objetivo da concessão florestal é justamente a obtenção de benefícios econômicos ao concessionário sobre o ecossistema concedido, com utilização múltipla dos recursos naturais, como o potencial madeireiro. Ou seja, os mesmos recursos utilizados pelas comunidades indígenas para sobrevivência e reprodução física e cultural, o que promoveria concorrência ilegal entre o particular vencedor da licitação e da comunidade indígena isolada pelos recursos naturais do local”, diz a decisão do juiz federal Marcelo Garcia Vieira.
O Plano Anual de Outorgas Florestais (Paof), citado pelo juiz, coloca como terras indígenas todas as terras ocupadas ou habitadas por indígenas, não importando se estão demarcadas, em processo de demarcação ou em pesquisa. Essas terras, diz a liminar, “não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena”. A decisão também se fundamenta no princípio constitucional da precaução, que exige que o Estado se abstenha de praticar atos violadores ou que arrisquem a perda ou aniquilação de culturas que deveria proteger.
Omissão de informações – A região que o SFB pretendia abrir para exploração madeireira totaliza 229,3 mil hectares e no edital público não havia nenhuma menção à possibilidade de existência de grupos indígenas não contatados na região. A investigação do MPF deixou evidente que a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai informou ao SFB o registro da presença de grupo indígena isolado em fase de estudos. Essa informação foi omitida no leilão.
O MPF lembra que os relatos de avistamentos de indígenas isolados remontam pelo menos à década de 1980 e provêm de fontes diversas, desde o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), passando por indígenas Munduruku e Sateré, ribeirinhos das margens do Rio Urupadi, até o Sindicato dos Garimpeiros do Município de Maués. Na última expedição feita pela Funai para localização dos isolados, em 2013, foram coletados indícios concretos como pegadas, trilhas e restos de acampamento. (MPF)