Segundo os membros do Ministério Público, a PEC, que está em trâmite no Congresso, ataca a independência do Ministério Público, tolhe e subjuga sua atuação e deixa a instituição vulnerável a interferências políticas, entre uma série de outros problemas gerados pela alteração da composição e da estrutura do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e de conselhos superiores do MP.
A entrevista coletiva em Belém integra uma série de mobilizações que estão sendo realizadas em vários estados do país pelos membros dos MPs e suas associações representativas. As mobilizações apontam os riscos de enfraquecimento às atribuições do órgão e censura prévia à ação dos diversos ramos da instituição.
Prejuízo a toda a sociedade – “O Ministério Público brasileiro não pode compactuar, não pode aceitar, que a instituição – através do Conselho Nacional do Ministério Público, que vem exercendo um papel fundamental de controle da nossa instituição – seja controlado pelo poder político”, frisou o procurador-geral de Justiça (PGJ) do estado do Pará, César Mattar Jr, que na entrevista representou o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG).
Para o PGJ, “nós temos que nos unir – e estamos em uníssono – no sentido de derrubar mais essa proposta que aflige sobremaneira não somente a instituição do Ministério Público mas a própria sociedade brasileira, já que o Ministério Público, em última análise e em primeira análise, deve satisfação somente à sociedade que ajuda a construir este país todos os dias, e não podemos permitir que uma instituição da envergadura do Ministério Público seja subjugada, sob pena de a própria sociedade brasileira estar sendo submetida a esse despautério”, complementou.
Segundo o procurador da República Alan Rogério Mansur Silva, que representou a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), este momento é fundamental para que a sociedade brasileira decida qual Ministério Público quer. “Se essa PEC passar se terá um Ministério Público muito mais fragilizado, sem instrumentos e condições de fazer o enfrentamento ao abuso do poder político, ao abuso do poder econômico”, observou. “É preciso que o membro do Ministério Público possa fazer esse enfrentamento sem o receio de que possa ser processado por uma atuação institucional dentro da legalidade”, acentuou.
Ataque à democracia – A PEC 5/2021 representa um ataque principalmente à democracia, ressaltou o procurador de Justiça Militar Clementino Rodrigues, representante da Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM). “O Ministério Público é um dos órgãos que preservam a democracia. Já chegou a um ponto de o Ministério Público Federal ter desaparecido, já chegamos a um ponto em que o Ministério Público foi subordinado a secretarias de Justiça, já chegamos a um ponto em que os nossos membros eram nomeados politicamente, e consequentemente serviam a um determinado grupo político. Atingimos, na Constituição de 1988, a nossa independência funcional, somos uma instituição permanente, somos independentes mas atuamos no interesse público”, resumiu.
O promotor de Justiça Márcio Maués, que representou a Associação do Ministério Público do Estado do Pará (Ampep) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), também destacou o risco à democracia representado pela proposta. “Essa PEC, muito longe de ser apenas a instituição de um mecanismo de controle de atos, é na verdade a destruição de uma instituição admirada e importante para a manutenção do regime democrático e da estabilidade institucional no nosso país”. Maués registrou que a real intenção da PEC é “controlar e colocar de joelhos o Ministério Público brasileiro”.
O procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região (PRT8), Sandoval Alves da Silva, que além de representar a PRT8 também representou a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), destacou que está sendo afetada institucionalmente a funcionalidade do Ministério Público. “Nunca se imaginou que fosse afetada a autonomia da independência funcional. Está sendo atacado exatamente o que há de mais nobre para a atuação do Ministério Público”, apontou. “Provavelmente nós teremos uma verdadeira atuação de assédio institucional, organizacional, sobre o membro do MP que queira atuar”.
Nota conjunta – Também nesta quarta-feira a Conamp, a ANPR, a ANPT, a ANMPM e a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT) publicaram nota conjunta para manifestar a irresignação dessas entidades com os pontos que consideram mais graves na PEC 5/2021, seja pela indesejável interferência nas atividades finalísticas, seja pela afronta a autonomia institucional e a independência funcional de seus integrantes. Confira os pontos destacados:
“1º. A exclusão do assento reservado, no CNMP, ao Ministério Público Militar. A manutenção da integral representatividade do Ministério Público da União – MPU, com um conselheiro de cada um dos quatro ramos, é fundamental para assegurar a regular atuação do órgão de controle. Tal medida reflete o desejo consagrado pelo Constituinte Originário e constitui requisito inarredável de equilíbrio, harmonia, eficiência e eficácia das deliberações;
2º. A revisão dos atos finalísticos pelo CNMP constituirá indevida ingerência, malferindo a Constituição Federal, ao extrapolar as competências do Colegiado, além de usurpar as funções institucionais do Ministério Público, com inovações tão vagas quanto ambíguas, ao se referir ao uso do cargo para interferência na ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e órgãos constitucionais, com um nível de subjetividade inadmissível, que inviabilizará a atuação do Ministério Público em temas sensíveis como os direitos fundamentais dos cidadãos, a preservação do meio ambiente, as políticas públicas de saúde, segurança, educação e de preservação do emprego e da renda, o enfrentamento da corrupção e da improbidade administrativa, entre outros. Transformar o CNMP em órgão revisor da atuação finalística institucional significa transferir a missão constitucional do Ministério Público para seu Conselho Nacional, de modo que a parte passa a agir como se fosse o todo, em flagrante inconstitucionalidade;
3º. A subversão do instituto da prescrição, que tem por finalidade a segurança jurídica, para sujeitar os membros do Ministério Público a termos iniciais indefinidos e de difícil comprovação, terminará por tornar todo e qualquer ato imprescritível. Some-se a isso o fim da prescrição intercorrente nos processos administrativos disciplinares e o Ministério Público será incapaz de exercer as funções constitucionais de defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais. São inaceitáveis o início do prazo prescricional em termo diverso da data do fato questionado e a ausência de prescrição intercorrente, assim como a criação de um Código de Ética, por lei complementar de iniciativa do CNMP;
4º. A excessiva concentração de poderes nos Procuradores-Gerais padece de vício de iniciativa, conforme estatuído no art. 128, § 5º, da Constituição Federal, invade, indevidamente, a organização interna do Ministério Público brasileiro, proporcionando absoluto controle sobre os Conselhos Superiores, aos quais, entre outras atribuições, incumbe aprovar normas sobre a organização e a distribuição do trabalho, compor listas para promoções por merecimento, aplicar sanções disciplinares, aprovar propostas orçamentárias, decidir sobre correições dos órgãos internos e apurar atos das próprias chefias institucionais;
5º. A indicação da vice-presidência e da corregedoria do CNMP pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, alternadamente, implica modificação da própria razão de ser do órgão de controle do Ministério Público, comprometendo a imprescindível simetria constitucional com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, sem o menor amparo jurídico, na medida em que o Vice-Procurador-Geral da República é o substituto natural do Procurador-Geral, subtraindo parcela relevante das atribuições deste, sem motivação lógica ou racional. A escolha direta do Corregedor Nacional pelo Poder Legislativo padece de manifesta inconstitucionalidade, pois afronta a autonomia institucional, e inaugura interferência política em atividades correcionais do Ministério Público, que, agregada à exigência de aprovação de Código de Ética por meio de legislação complementar de iniciativa do próprio CNMP, comprometerá sobremaneira a dinâmica interna de avaliação das condutas passíveis de corrigenda, orientação ou ajustes, que, por princípio, cabe a conselheiro eleito por seus pares, dentre os integrantes das carreiras do Ministério Público, com vivência institucional.
Tais propostas de mudança do modo de composição e funcionamento do CNMP, ao contrário de aperfeiçoá-lo, inviabilizarão o livre e desassombrado exercício das funções ministeriais, comprometendo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e do interesse público, missão institucional constitucionalmente imposta em prol da sociedade.”
Fonte: MPF