MPF recebe Protocolo de Consulta Prévia e Consentimento Livre do povo indígena Aikewara, do Pará

O Ministério Público Federal (MPF) recebeu o Protocolo Comunitário de Consulta Prévia e Consentimento Livre do povo Aikewara – também conhecido como Suruí do Pará – da Terra Indígena Sororó, localizada no sudeste do Pará. Elaborado pela própria comunidade entre outubro de 2022 e maio de 2023, o documento estabelece que qualquer ação, projeto ou empreendimento, seja ele público ou privado, que cause impacto sobre a vida e o território do povo indígena Aikewara deve passar por um processo de consulta prévia, livre, esclarecida e de boa-fé junto à comunidade.

Amparado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e nos decretos 5.051/2004 e 10.088/2019, o protocolo prevê que a consulta deve respeitar a cultura e a forma de organização própria dos povos e comunidades tradicionais. O documento aponta que, não raro, Estado e empresas desconhecem estas formas de organização. Deste modo, o protocolo comunitário busca esclarecer quem são os Aikewara, como se organizam e tomam suas decisões e, especificamente, como a comunidade deve ser consultada sempre que houver alguma decisão, lei ou projeto que poderá impactá-la.

Empreendimentos, obras de infraestrutura, políticas públicas, leis, questões relacionadas à educação, saúde, órgãos indigenistas, pesquisas e nomeação de profissionais que atuarão no território da etnia são alguns dos exemplos de situações nas quais os indígenas devem ser consultados. “O Estado tem a obrigação de garantir a consulta prévia aos povos indígenas em ações realizadas por ele ou por terceiros. O Ministério Público e o Judiciário devem garantir que este direito seja respeitado pelo Estado e que a nossa decisão seja respeitada após a consulta”, pontuam os Aikewara.

Conforme esclarece o procurador da República Luís Eduardo Araújo, que acompanha de perto a situação dos Aikewara, o direito de consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da OIT, pode ser resumido como o poder que os povos indígenas têm de influenciar efetivamente o processo de tomada de decisões administrativas, legislativas e de qualquer outra natureza que lhes afetem diretamente. “O protocolo torna esse direito mais efetivo na medida em que explica, sob o viés da própria comunidade indígena, como e quando deve ser feita a consulta e quem deve consultá-los, de acordo com a organização tradicional da comunidade”, explica.

Araújo acrescenta que o instrumento serve também para orientar a atuação do Ministério Público e dos demais órgãos responsáveis pela tutela indígena na medida em que possibilita fiscalização baseada em critérios estabelecidos pelos próprios indígenas e voltada a proteger os Aikewara de condutas de má-fé. “O protocolo evita que atores estatais e agentes privados aleguem, de forma genérica, que houve a consulta à comunidade sobre determinado tema, quando, na verdade, não ocorreu uma consulta efetiva, conforme diretrizes estabelecidas pela própria comunidade”, pondera.

Etapas e requisitos – O protocolo estabelece que o processo de consulta prévia terá duas etapas. Na primeira, os indígenas decidirão se autorizam ou não a consulta. Se não autorizarem, a proposta é rejeitada, devendo o Estado e as empresas respeitarem a decisão da comunidade. Caso autorize, a consulta será iniciada conforme o protocolo elaborado pelos Aikewara. Nesta etapa, os indígenas podem autorizar ou não a proposta com ou sem condicionantes, ou solicitar mais informações e tempo para decidir. Outro aspecto importante é que a consulta deve ser feita junto a toda a comunidade afetada, incluindo as sete aldeias existentes na terra indígena.

O documento também traz lista exemplificativa de hipóteses em que as decisões devem ser tomadas de forma coletiva, entre todas as aldeias, quando estiverem relacionadas a temas que afetem todo o território, e decisões que são individuais por aldeia. O protocolo é taxativo ao afirmar que a consulta prévia não substitui outras leis existentes e outros procedimentos legais para o licenciamento de empreendimentos ou na definição de políticas públicas.

Situação de risco – A TI Sororó conta atualmente com sete aldeias: Sororó, Itahy, Yetá, Ipirahy, Tukapehy, Awussehé e Akamassyron, e se estende pelos municípios de São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, São Domingos do Araguaia e Marabá. O documento indica que atualmente existem várias ameaças ao território e à sobrevivência dos indígenas Aikewara. São questões relacionadas à proteção do território, acesso a direitos humanos, segurança da população, segurança alimentar, saúde e educação.

Entre os graves problemas relatados pelos Aikewara estão o assoreamento e a poluição dos rios que atravessam o território, invasões por mineradores, milícias armadas nos arredores e incêndios florestais iniciados fora da TI. Eles também denunciam problemas no atendimento à saúde e à educação, moradias inadequadas e falta de saneamento básico, além do preconceito e do racismo sofridos diariamente.

“O Estado está ausente para a resolução de muitos de nossos problemas. Somos cidadãos brasileiros e indígenas, por isso temos direitos iguais aos de todos os brasileiros. Temos direito de praticar a nossa cultura e o direito ao nosso território. Sabemos que, com o tempo, novas ameaças irão surgir. Este protocolo tem o objetivo de garantir que o povo Aikewara possa se proteger de todas essas ameaças e decidir de que forma elas poderão afetar ou não o nosso povo”, sintetiza o documento.

Fonte: MPF

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